TERCEIRA IDADE

    Logo após completar meio século de vida, minha analista perguntou como me sentia na nova fase: – "Não consigo me sentir com essa idade. Sinto-me como se ainda tivesse 30 anos." A resposta era inteiramente verdadeira. Eu era um teimoso futebolista semanal. Curtia o roque nacional do Barão Vermelho e do Frejat, as letras do Renato Russo, amava a Paula Tolerman, não perdia nenhum lançamento de filme da Gwyneth Paltrow, vestia jeans desbotado e camisa para fora das calças. Chegava até a compreender as razões e gostos das minhas filhas. Isso ocorria muito em função de que sempre fingia que não era comigo, quando logo depois dos trinta começaram a me chamar, primeiro, de  "tio" e depois de "senhor". Atenuava o choque com aquelas respostas idiotas do tipo "Senhor está no céu" e "para você eu sou apenas o Mário". Contudo, o sentimento que fica está contido no famoso jargão publicitário de que "o primeiro senhor ninguém esquece". Mas, sabe que prefiro "senhor ao "tio"? O primeiro tratamento é sincero. O segundo é desdenhoso, denota ironia.   De uns tempos para cá as coisas mudaram muito mais e os sintomas que a terceira idade "bate à porta" são evidentes e surgem de forma cronológica.Depois do 50, passei a desconfiar que estava ficando velho quando ao viajar em pé numa condução, uma jovem me ofereceu o lugar sentado em que se encontrava, observando: – "Senta, meu senhor! Esse lugar é para idosos…" "Pendurei" na prateleira o tênis" com que jogava o futebol das segundas-feiras, quando num amistoso em um apertado campo de um sítio interiorano, atuando na zaga, não conseguia chegar nem perto da dupla de atacantes adversária, formada por duas jovens meninas. O drible desconcertante que levei de uma delas, minha filha, serviu como "pá de cal". Instintivamente e sem perceber mudei o vestuário. Só me dei conta do novo estilo ao me ver refletido numa vitrine de uma loja de shopping trajado de camisa pólo, bermuda comportada e sapato mocassim. Nada de short, sandália e camiseta. Para trabalhar, a camisa de manga por dentro da calça social impôs o estilo.Até na leitura dos jornais houve uma modificação progressiva. Quando jovem, lia o jornal de trás para frente, a partir do futebol. Já adulto passei a "devorar" todas as linhas dos periódicos, até porque me formei na área. Contudo, agora começo a ficar assustado. Há bom tempo havia passado a ler os periódicos pela importância sugerida às notícias pelas manchetes de capa. Agora não, vou correndo para o obituário…    

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