Terra Minha

    Minha terra tem palmeiras… mas também tem muito hipócrita, e, olhe, quanto canalha, e quantos corvos, e quanta gralha, quanta gralha, "que nos palácios se assoalha, em úberes mananciais de tetas sufragam a sugação do comum"; Minha terra tem palmeiras… e tem milhões sem eira nem beira que vivem a tomar rasteira de discursos, de decretos, de verbas tantas desviadas, para longe ou para perto, onde o esperto prevalece, a nação deve e não cresce, e o social morre sem prece; Minha terra tem palmeiras… mas também tem bandalheiras, privatizadas ou não, onde meteram e metem a mão, levando os anéis sem deixarem os dedos, sem medos nem CPI, e nós aqui oh, e nós aqui oh; Minha terra tem palmeiras… e teve Severino, e mais 300 deputados, não cassados, que enxovalharam o destino, plantando o dito, Severino, e se ele não renuncia, a fria ia cobrar a conta, pois é, e que afronta, que afronta; Minha terra tem palmeiras… mas também tem muita droga: droga de síndico, droga de técnico, droga de árbitro, de vereador, droga de deputado e de senador, droga de prefeito e governador, e até droga de presidente, no passado e no presente; e no futuro? Ora, a gente que agüente; Minha terra tem palmeiras… isto é, nem sei se ainda tem, com tantas queimadas, desmatamentos, assentamentos irregulares, madeireiros e madeireiras, milhões de quilômetros quadrados, queimados, derrubados, e um Ibama perdido e desorientado; Minha terra tem palmeiras… onde canta o sabiá, quero dizer, se é que ainda canta, pois a maldade é tanta, a ambição tamanha, que numa visão tacanha espanta e mata, na mata, no mato, na floresta, com fogo ou tiro na testa;  Minha terra tem palmeiras… e renúncia que não enobrece, pois é fuga do que não se esquece, não rejeita, não abjura nem renega, mas prega o traseiro na poltronice, montado na covardice, cavalgando de volta, o que nos revolta e indigna, para, amparado por uma lei, cheirando a corporativismo vil, poder retornar limpo ao lugar de onde fugiu; Minha terra tem palmeiras… e corruptos na cadeia, mas a sociedade está cheia de outros tantos que, para nosso espanto, vivem sob o manto do direito, usufruindo da mesma liberdade que probos e honrados, num mal sopesado parâmetro de justiça;  Minha terra tem palmeiras… e vozes que falam em nome da honra, da família, da ética, em patética encenação, já que as mãos estão sujas, a consciência pesada, a língua envenenada, o riso masturbado e o mandato cassado; Minha terra tem palmeiras… e também muita excrescência, sob o véu de excelência, sob o manto da imunidade, com direitos e privilégios, num sacrilégio à verdade que aos outros mortais assiste;  Minha terra tem palmeiras… e este incompetente e inconformado poeta, que indignado está sempre alerta: "Versífero, vejo meus versos, dispersos, perseguirem algum sentido no injusto, no destrutivo, no lascivo, num universo para poucos onde há muitos perdidos, desorientados, estuprados, com o rumo e a vida profanados e um abismo sem fundo nem reverso…". Minha Terra tem palmeiras… e essa porqueira toda, mas dentro de mim tenho outra terra, a que escolhi e me basta como Pátria: A terra dos duendes, das fadas e dos homens de bem. A terra onde as águas cristalinas ainda não foram poluídas pelas descargas das usinas, e os baobás não precisam se esconder das motoserras.  É a Terra dos Rui (Barbosa e Barata) dizendo do amor soberano pela mulher e pela Pátria, enxovalhada Pátria vendida em cuecas! Aqui eu me posto e olho meus filhos. Serão Severinos? Serão Zé Cohen, que recusou um mandato por não se achar à altura e com isso ganhou o direito de ser singular? Minha Terra tem palmeiras… e tem coisas verdadeiras como amigos que fazem questão de se chamar Titó e beber um copinho de pinga no final da tarde, enquanto falamos de poesia e enrolamos um cigarrinho de rolo. Ah! Minha Terra, tão longe e tão perto, quando foi que desisti de ti e me mudei para dentro de mim? Quando será que um outro Cabral gritará deslumbrado: "Terra à Vista"? Com agradecimentos ao Alberto Cohen, em setembro, 2005Notas do autor:  ·         os três parágrafos com as letras em itálico são uma valiosa, inteligente e espontânea colaboração do amigo e excelente poeta paraense, o Alberto Cohen; ·         Rui Barata, para quem não o sabe, foi um dos melhores poetas do nosso Pará, mas que ainda não recebeu a divulgação e a consagração que fez por merecer;·         "Titó", também para quem não o sabe, era o apelido de criança e juventude deste modesto escriba que se empenha em acreditar nos homens, mas se confessa quase um renunciante, retirante da esperança que só o amor ainda segura; ·         os versos citados com aspas, no texto da crônica, são do meu poema "Tempo de Corvos", escrito em outubro/1998.

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