TRÂNSITO EM DUAS RODAS

    Que nós, brasileiros, em grande número, somos bastante mal educados quando ao volante de um veículo, isto não é novidade. Inúmeros abusos são cometidos por pessoas de todas as faixas etárias. Os machistas querem logo culpar as mulheres, mas aí vai uma boa dose de injustiça. Por outro lado, não faz sentido pôr-se a culpa maior apenas em motoristas jovens. Como sexagenário assumido e confesso, afirmo que me deixa estarrecido ver muitos motoristas, de cabelos grisalhos, cometerem imprudências, as mais absurdas. Algumas vezes tendo a família dentro do carro.  Nas estradas essas cenas são muito comuns. Mais do que se possa imaginar, podem crer. Pelas barbaridades que cometem parece não terem nenhum amor à própria vida e nem respeito pela dos outros. Mas eu quero mesmo é falar, acreditem, de bicicletas no trânsito. Temos a mania de achar que leis de trânsito não foram feitas para quem pedala um veículo sobre duas rodas. Devem estar achando que sou tolo ou um exagerado. Pois não sou não. Os que pedalam pelo asfalto pelo menos o fazem pela via certa. O errado é não respeitarem a sinalização do trânsito.  Quantas vezes já presenciamos esta cena: o sinal fecha para os veículos, as pessoas atravessam pela faixa de pedestres. Repentinamente surge um bólido de duas rodas que irrompe pela faixa sem nenhuma cerimônia. Se conseguir espaço vai em frente, pondo em risco também a própria vida, face ao trânsito que vem da rua transversal, cujo sinal abriu. Algumas vezes esbarram ou atropelam pessoas na faixa, a que seria de segurança para os cidadãos. Se você reclama corre dois riscos: de passar por ridículo ou de ouvir alguns palavrões do irresponsável ciclista. Nunca lhe puseram na cabeça que, pedalando, ele tem a obrigação de se comportar como qualquer motorista. Só deve se dar conta disso se um dia atropelarem  sua genitora, ou sua irmã, ou sua esposa. Mesmo assim ainda tenho minhas dúvidas de que acorde a sua consciência. Quando dirijo em Cabo Frio, onde vivo grande parte do meu tempo, tomo inúmeros sustos. Vou virar à direita na rua principal e surgem, já quase colidindo comigo, três ciclistas. Eles vêm na contramão da rua principal,  virando também na mão contrária, da rua pela qual estou saindo. Eu tomo o susto e eles é que me fazem cara feia. E vinham um ao lado do outro, dificultando ainda mais qualquer tentativa de não os atropelar. O jeito é parar bruscamente.  Ano passado, aqui em Ipanema, por pouco não sofri um atropelamento. Olhava para a esquerda, de onde viria o tráfego de veículos na rua Aníbal de Mendonça. Eu ia atravessá-la. Como o trânsito estivesse parado, coloquei o pé no asfalto e fui puxado com força por minha esposa. Uma bicicleta, em velocidade rápida e na contramão, passou a poucos centímetros do meu corpo. Foi inevitável eu xingar o irresponsável. Dele recebi, em retorno, um sinal pornográfico com a mão esquerda. Dou alguns poucos exemplos, mas eles se repetem diariamente e em número muito maior do que se imagina. Posso parecer tolo, mas o senhor me dará razão se um dia tiver seu filho ou sua mulher atropelados por um desses néscios irresponsáveis. Claro que também aí se põe a questão básica: Educação. Não vou  pedir que se comportem como os holandeses, por exemplo. Em Amsterdã há, no trânsito, mais bicicletas do que automóveis. Convivem perfeitamente. Senhores, senhoras, bem vestidos, sozinhos ou levando crianças na garupa, são vistos pedalando pelas ruas.  Eles não fazem piruetas, seguem em sua linha, param  nos sinais, usam o braço para indicar se vão entrar à direita ou à esquerda,  seguem a mão das ruas etc. Um respeito total às leis de trânsito. Uma cultura a que não fomos acostumados. Há inúmeros estacionamentos, só para bicicletas, por toda a cidade. Têm infra-estrutura completa com as vagas bem definidas. Assim é, em muitas cidades, por quase toda a Europa. Na Itália, onde às vezes o trânsito é meio confuso, vi, em Turim, e também em Bolonha,  homens e mulheres usando veículos de duas rodas em grande escala. Em certos momentos eles são maioria no trânsito. Incontáveis lambretas e inúmeras bicicletas. Nenhuma delas andando na contramão. As velocidades sempre controladas. A sinalização respeitada rigorosamente. Dizer que esses exemplos também são vistos na Áustria não é vantagem. Mas, em Salzburg, terra de Mozart, às margens do Rio Salzach, vimos ciclistas seguirem pela via a eles destinada e dela não se afastarem. Se alguém passar por ali desatento poderá ser atropelado. Não é área para pedestres. Estes perdem a razão. Aqui alguns fazem o contrário: andam pelas calçadas. Em Ipanema, com o movimento da Visconde de Pirajá, vê-se constantemente bicicletas a fazer ziguezague, desviando-se das pessoas. Os idosos e as crianças são normalmente as maiores vítimas desse desrespeito. Experimente reclamar com um desses ciclistas! Quando a Prefeitura idealizou as áreas de lazer, aos domingos e feriados, destinou-as às famílias. Fecham-se várias artérias por toda a orla da zona sul e outros bairros. Poderiam todos caminhar com tranqüilidade, moços, idosos, crianças. Poderiam, porém temos que nos desviar constantemente, não apenas de ciclistas, mas de muitos adeptos dos patins e também do skate. A maioria deles  nos ameaça com velocidade e malabarismos. Costumam desviar bem próximo ao pedestre indefeso, cortam a nossa frente repentinamente. Algumas vezes, uns espadaúdos patinadores deslizam pelo asfalto, no meio dos pedestres, de costas… Acreditem. Outras vezes eles surgem rápido e aos bandos. Ficamos sem saber o que fazer.  O melhor é parar e deixá-los passar, mas o ideal é que houvesse alguma autoridade, digamos, policial, para preservar os direitos de quem quer apenas caminhar, sozinho ou com a família. Lembro que foi para esta finalidade que criaram as tais “áreas de laser”. Mas, a polícia nós vemos, sim, em grupos de 4 ou 5, a conversar, lá para os lados do Arpoador ou a desfilar pelas areias da praia.  No asfalto eles aparecem somente quando vão reabrir a pista para o tráfego. Vêm então motorizados, exibindo suas sirenes o tempo todo, seguidos por uma procissão imensa de veículos em ritmo bem lento. Durante toda a tarde certamente surgirão se houver algum acidente grave, porque arranhões, sustos, discussões, ofensas, isso não lhes deve interessar! Dois fatos eu presenciei aqui em Ipanema, na Vieira Souto. Uma senhora, quase atingida por patinadores, reclamou. Pararam e olharam para ela como se fosse um ser de outro planeta. Aquele ar de espanto e curiosidade, traduzindo deseducação. Para eles, a senhora é que estava “fora do ninho”. E ela só  pedira respeito. Uma moça, com patins e a velocidade habitual, colidiu com um menino de uns 8 a 9 anos. O garoto equilibrou-se bem, ela foi ao chão, caindo de costas. Felizmente não bateu  com a cabeça no asfalto. Levantou-se devagar e nada disse. A mãe do menino, para minha surpresa, ainda reclamou da “desatenção”  do filho… Pois é. Se quisesse poderia desfilar aqui inúmeros exemplos desses desrespeitos para com os pedestres, na Vieira Souto, todos os domingos, à tarde. Por outro lado, se alguém se dirigir a um policial, aqui no Rio, e lhe apontar essas irregularidades,  é capaz de o transeunte ser levado à delegacia, ou quem sabe, a um Hospital Psiquiátrico! Duvidam? O pior é que há leis disciplinando o uso de bicicletas, sabiam? Mas logo alguém dirá: e daí?  Ainda anteontem presenciei um sujeito, pedalando velozmente, sair da rua Maria Quitéria, entrando  para a Visconde de Pirajá, metendo-se entre os ônibus e os carros, com a velocidade de uma moto. Uma loucura. Sem capacete nem qualquer outra proteção. Inclusive, e principalmente, sem bom senso. Repito: tudo é uma questão básica de Educação, e talvez, de Civilidade. Diz o dicionário que civilidade: “é um conjunto de formalidades, observadas entre si pelos cidadãos, quando bem-educados.”  Pois é, voltamos ao ponto essencial. Um dia a gente consegue.  Enquanto isto fico pregando neste deserto ardente de insanidade, nesta aridez plena de ouvidos moucos.  Até a próxima vítima.

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