É POSE SÓ

    A cada chamada para uma nova prova, oito estranhas figuras surgem do “corredor da morte” (nome dado ao espaço fechado no qual os adversários travam a última batalha, a psicológica, antes de entrar em cena). Com toucas de silicone enterradas até a metade da testa, todos parecem ter cabeças do tamanho de uma ervilha em relação aos corpanzis. Os óculos de formas futuristas escondem qualquer expressão de medo ou tensão. E as variantes das roupas que simulam pele de tubarão impede que se saiba, num primeiro relance, se trata-se de nadadores ou nadadoras. Mais parece desfile de mergulhadores, ou de homens e mulheres-aranha criados para uma revista em quadrinhos. Alexander Popov não usa touca, não raspa pêlos nem cabelos. Seus óculos de competição parecem moldados para realçar os traços eslavos, o nariz aquilino, a boca sensual. Popov tampouco encapsula o corpo esguio de 2,00m em maiôs de fibra destinados a comprimir a musculatura, reduzir a vibração da pele e com isso diminuir a formação do ácido lático que causa fadiga. Tenho minha própria pele – costuma dizer o russo, com um sorriso letal. Às vésperas de completar 32 anos de idade e, sobretudo, sete anos após ter sido esfaqueado numa rua de Moscou por um vendedor de melancia, ocasião em que foi submetido a dez horas de cirurgia de emergência, da qual guarda uma cicatriz que vai da linha da sunga até o umbigo Popov, que possui sete medalhas olímpicas, quatro medalhas de ouro e três de prata, ganhas em 1996 e 1996, no último mundial deu mais três ouros à Rússia – a bordo de sua singela sunga. Os três parágrafos acima são um resumo de uma matéria que li em o GLOBO que me certificaram de que a cultura da pose é uma das mais prósperas do mundo dos esportes individuais. Quem já foi, como eu, assistir “in loco” a provas de atletismo pode comprovar. Atletas que se apresentam nas pistas com coloridos roupões, óculos escuros, “had fone” no ouvido e realizam aquecimento através de contorcionismos circenses, tem – salvo raras exceções do tipo Carl Lewis – as suas futuras performances imediatamente desprezadas nas bolsas de cotação. O olho clínico e a experiência dos profissionais da aposta recomendam o investimento do dinheiro naqueles competidores que humildemente esperam pelas provas encostado em alguma cerca, assoviando e mascando tranqüilamente um ramo de grama. Dificilmente os apostadores perdem dinheiro. Adilson Maguila Rodrigues, pretenso boxeador peso-pesado brasileiro que, espertamente, ainda hoje se passa por ingênuo para ganhar dinheiro, brigou com todos que o cercavam para poder lutar no Brasil com o americano Evander Holyfield, que havia destronado Myke Tysson. Fã incondicional de uma presepada, Maguila, no dia da luta internacional, sabedor que estava sendo visto pelo mundo inteiro, fez tudo o que tinha direito antes da luta. Debaixo de um roupão amarelo brilhante que lhe escondia até cabeça através de um capuz vermelho, “adentrou” o local da luta à frente de um séqüito de assessores dignos de uma procissão em louvor da imagem de Maria, mãe de Jesus. No ringue, começou o aquecimento: deu socos no ar, saltitou com uma corda imaginária, tomou generosos goles de energéticos e fez incríveis gargarejos, seguidas de incontáveis caretas. O público delirava. Holyfield, encostado nas cordas, a tudo assistia sem mover um músculo. Começado o assalto, Maguila dançou por cerca de um minuto ao redor de Holyfield e sem encontrar a distância em que estava o adversário, soqueava violentamente o vento. Holyfield apenas caminhava sem se dar ao trabalho de sequer de se esquivar. De repente, sem que até hoje o brasileiro saiba da onde surgiu ou como aconteceu, o brasileiro tomou um murro tão forte no meio do rosto que o fez estrebuchar na lona, babar pelo canto dos lábios e dar a impressão a todos que havia morrido. Holyfield, sem nenhuma emoção vestiu o roupão e retirou-se do ringue. Nem esperou que o juiz lhe desse a vitória, erguendo um dos seus braços.Maguila nunca passou de um blefe. Tanto em relação à sua vida pessoal, quanto a profissional. Minha mãe, filósofa popular insuperável, era quem sabia classificar essa gente. Nessas ocasiões sacava do bolso uma frase de veracidade e ironia arrasadora: “Por fora parece um pão-de-ló, mas, por dentro, é molambo só!” ·.

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