VOCÊ VIVE COM MEDO?

    Se você morar no Rio de Janeiro e responder negativamente à pergunta acima, desculpe, vou ter certa dificuldade de acreditar em sua sinceridade.Mudei-me para aquela cidade no dia 21.04.1960, lá trabalhei, constituí família, fui feliz, muito feliz. A cidade não era apenas maravilhosa por seus encantos naturais, porém também mágica, plena de luz, capital da cultura, musa inspiradora de tantos amores, a ponto de ser cantada em versos e músicas mil por quem, sendo poeta, apaixonava-se facilmente pela cidade e por seu povo.Infelizmente aquele Rio foi aos poucos sendo transfigurado, desfigurado, deformado, e seus governantes, vários, não se deram conta ou pouco se importaram com o mal que semeavam, que iria criando e espargindo raízes, sofrendo mutações, da pobreza à violência. Do descuido ao descalabro, da desatenção à desorganização, do desinteresse ao desamor, desgovernaram o Rio de Janeiro por anos. E continuam esta “tarefa”.Desde o ano passado, quando fiquei viúvo, decidi mudar-me para a querida Cabo Frio, mesmo morando, no Rio, em Ipanema. Mas hoje lá não há mais bairro, rua, avenida, esquina, ou mesmo praia que esteja isenta do mal que se agiganta, que desafia autoridades, que enfrenta a polícia até em condições de superioridade, algumas vezes. Chamam-no de “poder paralelo”, e ele já se infiltra por todo lado.É muito difícil não se ter medo de viver em uma cidade onde:- balas perdidas encontram vidas nas ruas, em casas, em veículos, em escolas, em hospitais, numa loteria em que a morte acaba vencendo diariamente;- policiais são assassinados em serviço ou não, porque a criminalidade promove regularmente uma caçada a eles, nas ruas, nos ônibus, nas delegacias, quando deveria ser o contrário;- grupos bem armados invadem prédios residenciais levando a violência para dentro de lares, aterrorizando famílias inteiras, roubando e saindo impunes como se a cidade não tivesse leis nem policiamento;    – passou a virar rotina também a autêntica “guerrilha” entre grupos de traficantes, ficando os policiais no meio do fogo cruzado com armas nas mãos, mas acuados, tentando impor uma ordem que cada dia parece mais difícil de ser mantida; – homens, mulheres, idosos e crianças, são mortos todos os dias, em assaltos, atos de vingança, erros de pontaria, em tentativa de fuga, em batidas policiais, tal qual ocorre em qualquer ambiente de guerra; e nossas autoridades sempre minimizam o fato; – o simples ato de sair de casa rumo ao trabalho, a um cinema, à escola, para visitar um amigo ou familiar, ou simplesmente passear, pode significar que você está indo ao encontro da morte sem o saber; diariamente lemos notícias que o confirmam;- bandidos se travestem com uniformes policiais e promovem batidas no trânsito, assaltando motoristas e deixando desorientada e completamente desamparada a população que não entende como isto pode acontecer com tamanha impunidade;- parece que já nos acostumamos a ver e ouvir que filho matou pai, mãe, irmã, avó, ou vice-versa, estando a droga sempre na raiz dessas tragédias familiares;- reinventaram o seqüestro, através do qual vão extorquindo dinheiro das famílias das vítimas e estas sofrem e muito com as incertezas, pois nem sempre podem comemorar a libertação do seqüestrado; aprimoraram o método criminoso e passaram aos tais “seqüestros relâmpagos”, nos quais as vítimas podem pertencer a qualquer classe social, sem distinção; Poderia prosseguir acrescentando fatos nesta lista, mas me tornaria cansativo e não me sobraria espaço para mais algum comentário. Posso me considerar, assim mesmo, um sujeito com sorte, afinal fui assaltado uma vez, quando fiquei com uma arma encostada em minha cabeça por cerca de 15 minutos, dentro do meu carro. Contei isto na crônica MEU PRIMEIRO ASSALTO.Mais sorte tive quando escapei de duas outras situações em que por pouco a violência não me tocou, mas bateu na trave, podem crer. Talvez não estivesse escrito. Recentemente quando eu apenas fazia minha caminhada, ao final da tarde, num sábado, na calçada da praia da famosa Av. Vieira Souto, fui ameaçado de ser agredido com uma barra de ferro por dois sujeitos, transtornados, irados. O que eu fizera? Apenas vi, por acaso, que eles tentavam achacar um casal que fugiu ao ver que eu me aproximava. Nada falei, nada fiz, prossegui na caminhada rápida, porém os meliantes lançaram sobre mim toda a culpa do fracasso de sua tentativa.Com medo, mas mostrando indiferença diante das palavras ameaçadoras ditas pelos dois, segui em frente e fui “salvo”, afinal, porque mais pessoas se aproximaram, também caminhando, como eu. Essa foi mesmo por pouco. Em outras idas ao Rio ouvi relatos de pessoas alcançadas pela violência que não é cometida apenas por facínoras masculinos, mas também por grupos de mulheres, como me contou uma senhora, em Ipanema, à porta do supermercado. Isto eu comentei na crônica “SAUDADE DA GAROTA DE IPANEMA”.Haverá quem diga: “este não é o meu Rio de Janeiro”, ora, também não é o meu, ou pelo menos não é aquele que conheci bem e aprendi a amar desde 1960, mas não me negue que “este”, infelizmente, é o que está aí. Portanto, se cuide, e Deus o proteja.

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