A difícil redução dos juros do setor público

    Por Mansueto Almeida 

    A nova equipe econômica assumiu com um discurso claro de austeridade para arrumar as contas públicas e retomar a trajetória de queda da dívida líquida e bruta do setor público. O desafio é grande pois, de 2011 a 2014, a despesa primária do governo central (não inclui juros) cresceu 2,7 pontos do PIB, expansão maior do que nos doze anos anteriores ao início do primeiro governo Dilma, em 2011. Apesar das desonerações concedidas, nesse período não houve queda de arrecadação (% do PIB) do governo central. Assim, a forte reversão no superávit primário do governo central de 2,3% do PIB, em 2011, para um déficit primário de 0,3% do PIB, em 2014, decorreu da forte expansão das despesas não financeiras. 

    No entanto, há muitas pessoas que insistem que o ajuste fiscal, uma combinação de corte de gastos e aumento da carga tributária, poderia ser menor se houvesse uma forte redução da conta de juros do setor público, que passou de uma média de 5,3% do PIB, de 2011 a 2013, para 6,08% do PIB, em 2014. Esse valor é muito elevado, dado o nosso nível de endividamento, o que sugere que a despesa com juros do setor público seria um problema mais relacionado ao custo do endividamento do Tesouro do que ao tamanho da divida. Mas, na verdade, o problema é tanto o custo quanto a composição da dívida líquida do setor público (DLSP). 

    Quando o governo central aumenta a dívida bruta (aumento do passivo) para comprar reservas e emprestar para bancos públicos (aumento do ativo), tem-se uma operação ativa e passiva da mesma magnitude que não altera, em um primeiro momento, o valor da DLSP. Mas a rentabilidade desses novos ativos é muito menor que o custo do novo passivo e essa diferença aparece na contabilidade pública como um crescimento da conta de juros do setor público. 

    A redução do custo de endividamento do Tesouro será consequência e não causa da melhoria das contas públicas 

    Em 2002, o estoque de empréstimos do Tesouro para bancos públicos era de apenas 1,3% da DLSP. Em 2014, esse percentual havia crescido para quase 30% e o volume de reservas passou de 15% para 50% do saldo da DLSP no mesmo período. Dito de outra forma, 80% do estoque da dívida líquida do setor público no Brasil é hoje formado por ativos (reservas e empréstimos para bancos públicos) que rendem muito menos que o passivo que o Tesouro aumentou (expansão da dívida bruta) para “fazer esses investimentos”. 

    Dessa forma, como reduzir rapidamente o custo da DLSP? Se olharmos o passivo, o custo da dívida bruta do setor público acompanha a taxa de juros de mercado (Selic) que hoje é de 12,75% ao ano. O mercado espera que essa taxa de juros se mantenha acima de 10% ao ano até 2019. Assim, não se espera uma grande economia de juros pelo lado do custo de captação do Tesouro Nacional nos próximos anos. 

    Do lado do ativo, a forma de reduzir o custo de carregamento das reservas e o custo dos empréstimos para bancos públicos é reduzindo o valor desses ativos e/ou aumentando a sua rentabilidade para o Tesouro Nacional. No caso das reservas, a remuneração depende da taxa de juros internacionais, o que está fora do controle da equipe econômica. O que podemos decidir é o volume de reservas necessário para dar segurança ao mercado quanto a capacidade do país honrar suas obrigações externas. De qualquer forma, não me parece prudente alguém defender uma rápida redução das reservas com um déficit em conta corrente acima de 4% do PIB. 

    No caso dos empréstimos para bancos públicos, a equipe econômica do primeiro governo Dilma criou regras que impedem ou limitam a capacidade da nova equipe econômica de desfazer rapidamente o passado. Em março de 2014, por exemplo, o Tesouro renegociou R$ 194 bilhões de seus créditos juntos ao BNDES, concedendo ao Banco um prazo de carência de seis anos para o pagamento de juros e adiou o início do pagamento do principal para 2040! Assim, não é possível reduzir rapidamente o estoque desses empréstimos. 

    O que falar então da rentabilidade desses empréstimos para o Tesouro: a taxa de juros de Longo Prazo (TJLP) que, se elevada, reduziria o custo da dívida líquida do setor público? Há dois problemas. Primeiro, a renegociação da divida do BNDES junto ao Tesouro Nacional mencionada acima também limitou o valor da taxa de juros que o BNDES pagará sobre a dívida renegociada: um terço da TJLP limitada a 6% ao ano até 2035 e, depois dessa data, uma taxa de juros máxima de 6% ao ano. Ou seja, a renegociação feita pelo Tesouro Nacional impossibilita que o governo aumente a rentabilidade em parte significativa do saldo de seus ativos junto ao BNDES. 

    É claro que uma dívida renegociada pode vir a sê-lo novamente, mas neste caso teríamos um segundo problema. Em 2009, o governo criou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI) que permitiu que o BNDES emprestasse para empresas a uma taxa de juros inferior à TJLP+1% ao ano, taxa mínima das operações do BNDES sem subsídios. Todas as vezes que o BNDES fez um empréstimo abaixo dessa taxa, o Tesouro Nacional se comprometeu a cobrir o prejuízo do Banco, o que significa fazer uma equalização de juros, que na contabilidade pública é uma despesa primária e, assim, reduz o superávit primário.

    Até o final de 2014, o BNDES havia emprestado perto de R$ 400 bilhões no âmbito do PSI a juros fixos, por exemplo, de 3% ao ano nos empréstimos concedidos no primeiro semestre de 2013, por um prazo de cinco a dez anos. Se o governo decidisse aumentar fortemente a TLJP hoje, isso implicaria um custo maior para o BNDES (desconsiderando o limite para essa taxa da renegociação acima) e, logo, uma equalização maior do Tesouro Nacional para cobrir o prejuízo do Banco com empréstimos já concedidos a juros fixos nos últimos cinco anos. 

    Em resumo, dada as restrições criadas pelo próprio governo federal nos últimos anos, a redução da conta de juros do setor público e do custo de endividamento do Tesouro serão consequências e não causas da melhoria das contas públicas. A única alternativa para a melhora das contas fiscais nos próximos anos é o forte aumento do resultado primário do setor público. 

    Mansueto Almeida é economista e consultor.

     

    Fonte: Valor Econômico

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