Valorização do dólar vai conter inflação nos EUA e pode afetar ação do Fed

    Por Shobhana Chandra | Bloomberg 

    O dólar mais forte em mais de 11 anos estará em breve chegando às lojas em todo os EUA.

    A alta de 24% na moeda americana desde junho levará algum tempo para repercutir na maior economia do mundo, manifestando-se inicialmente em custos menores de artigos importados e, em seguida, nos preços pagos pelos consumidores, dizem economistas dos bancos Barclays, Goldman Sachs e JPMorgan Chase. Isso significa que o dólar será o novo freio à inflação, no lugar do petróleo, cuja cotação está se estabilizando. 

    “O efeito [na inflação] do preço da energia deverá se dissipar até o fim do primeiro trimestre”, disse Michael Gapen, economista-chefe do Barclays em Nova York. “Já o impacto decorrente do dólar virá no segundo e terceiro trimestres”. 

    Roupas, eletrônicos e automóveis estão entre os itens que deverão ter preços menores à medida que o impacto da valorização do dólar se fizer sentir nas lojas. Isso dará impulso adicional ao poder de compra das famílias, que já estão se beneficiando-se dos menores preços da gasolina em seis anos e do mercado de trabalho melhor. 

    “Esse é um cenário ótimo para os consumidores”, disse Gregory Daco, principal economista especializado em EUA na Oxford Economics, em Nova York. Combinado com um combustível mais barato “o dólar mais forte é um elemento adicional de pressão baixista sobre a inflação”. 

    O custo de bens e serviços importados caiu por sete meses seguidos, o mais longo período durante uma expansão econômica desde 1998, principalmente por causa da queda dos preços da energia, segundo dados do Departamento do Trabalho. 

    Os preços dos importados, excluindo combustíveis, caíram 0,7% em janeiro, a maior queda fora de uma recessão desde 2002, quando a alta do dólar começou a se fazer sentir nos dados. Os preços ao consumidor provavelmente seguirão no mesmo rumo à medida que os varejistas começarem a baixar preços das mercadorias para manterem-se competitivos. 

    Embora seja uma bênção para as famílias, a queda da inflação mais para o meio do ano constitui um problema para as autoridades monetárias do Fed (Federal Reserve, o Banco CENTRAL dos EUA), quanto ao momento em que elas deverão começar a elevar a taxa de juros no país. O Fed terá de decidir se a rápida melhora no mercado de trabalho justifica uma elevação da taxa básica de juros, pela primeira vez desde 2006, ou se a queda nos preços justificaria um adiamento, para permitir que a economia acelere ainda mais. 

    A medida de inflação vinculada a gastos com consumo pessoal, a preferida do Fed, não fica acima da meta de 2% desde março de 2012. Em janeiro, o indicador subiu apenas 0,2% no acumulado em 12 meses, a menor alta desde outubro de 2009, refletindo a forte queda nos preços dos combustíveis, segundo o Departamento de Comércio. 

    A pressão de baixa aparece em outros lugares. O índice de preços que exclui combustíveis e alimentos, conhecido como núcleo da inflação, subiu 1,3% nos 12 meses até janeiro, igualando o menor avanço anual desde março de 2014. 

    O indicador deverá cair para cerca de 1% em meados do ano, segundo David Mericle e Chris Mischaikow, economistas do Goldman Sachs em Nova York. Os dados, até agora, capturam “no máximo, metade” da queda de preços decorrente do [efeito do] petróleo e do dólar, e o efeito mais intenso “provavelmente ocorrerá em meados de 2015”, escreveram em nota de pesquisa de 20 de fevereiro. 

    “Uma dose substancial desses efeitos provavelmente ainda está por se manifestar”, escreveram eles. “O efeito agregado permanecerá considerável em 2016” caso o valor do dólar ponderado pelo comércio continuar em alta. 

    Gapen, do Barclays, e Daco, da Oxford Economics, estimam que o dólar reduzirá a inflação, ano sobre ano, em 0,2% ponto percentual. Economistas do JPMorgan Chase prevêm que o efeito será duas vezes maior. O dólar valorizou-se em relação a todas as 31 principais moedas em 2014, e cerca de 9% até agora em 2015. 

    “Estamos num período em que o núcleo da inflação está começando a surpreender por sua queda”, disse Gapen, ex-economista do Fed. Por enquanto, ele prevê que o Banco CENTRAL elevará a taxa básica de juros em junho, apesar de “um choque negativo contínuo de preços de importados” poder tornar o Fed mais paciente, disse ele. 

    A influência da moeda sobre os preços tornou-se parte do debate. A presidente do Fed, Janet Yellen, em depoimento à Comissão Bancária do Senado, reconheceu, em fevereiro, que o barateamento do petróleo e a valorização do dólar estão fazendo com que a inflação fique abaixo da meta. A recente desaceleração dos preços, excluindo alimentos e combustíveis, é “em parte, reflexo das quedas nos preços de muitos itens importados e talvez também de algum repasse do barateamento da energia.”

    A inexistência de inflação no momento em que se prevê que o Fed irá começaria a elevar a taxa de juros poderá evitar a ação do Banco CENTRAL, disse Thomas Costerg, economista do Standard Chartered bank, em Nova York.

    “Os mercados não receberiam bem se o Fed aumentasse os juros num momento em que a inflação não estivesse mostrando sinais de recuperação”, disse Costerg. “Detectar quando a inflação terá batido no fundo do poço é importante para o Fed. Isso não vai acontecer antes de meados de 2015”. 

    Outros dizem que pressões desinflacionárias não impedirão o Fed de elevar os juros em meados do ano. “Se os números da inflação fossem um impedimento para o Fed puxar o gatilho em junho, eles teriam sinalizado isso”, disse Joshua Shapiro, economista-chefe para os EUA na Maria Fiorini Ramirez Inc, de Nova York. 

    Em sua última reunião, em janeiro, as autoridades monetárias disseram que, apesar de uma provável desaceleração dos preços nos próximos meses”, o Fed espera que a inflação suba gradualmente para 2% no médio prazo, que o mercado de trabalho melhore ainda mais e que os efeitos transitórios do barateamento da energia e que outros fatores se dissipem”. 

    A desinflação como reflexo da queda dos preços de produtos fabricados no exterior poderá implicar em que demore mais tempo para que isso aconteça. 

    O Índice de Preços ao Consumidor geral caiu 0,1% nos 12 meses até janeiro, sendo essa a primeira queda anual desde outubro de 2009, quando a economia estava saindo de uma recessão.

    Uma ironia é que, quanto mais os investidores acreditarem que o Fed logo aumentará os juros, mais o dólar se valorizará, e mais a inflação ficará aquém da meta do Fed. Maiores custos de empréstimos nos EUA tornam os investimentos em títulos denominados em dólar mais atraentes em relação aos de outros países que ainda estão em meio a um afrouxamento de política monetária

    “A valorização [do dólar] provavelmente persistirá enquanto durarem as previsões de que a política monetária americana divergirá das de outras grandes economias”, disse Carl Riccadonna, economista-chefe da Bloomberg Intelligence para os EUA.

     

    Fonte: Valor Econômico

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