Vem de uma tendência interna do PT a maior pressão sobre o Senado para que seja aprovado o projeto de lei complementar 99/2013, que muda o indexador das dívidas estaduais e municipais renegociadas pela União. Vem também da mesma tendência a maior resistência à aprovação da medida neste momento. No primeiro caso, estão o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
O governador gaúcho esteve recentemente no Senado, conversando com senadores e mostrando a necessidade urgente da medida para o equilíbrio das contas de seu Estado. Haddad tem sido mais discreto na defesa do projeto, talvez para não ferir suscetibilidades no Palácio do Planalto. Ele tem enviado seu secretário de finanças para acompanhar as discussões no Senado e mostrar o grande interesse da prefeitura na aprovação do projeto.
Do outro lado, está o secretário do Tesouro, Arno Augustin, que tem se esforçado para mostrar aos senadores que a aprovação do projeto terá efeito negativo muito forte sobre a imagem do Brasil no exterior e sobre o custo de financiamento do Tesouro Nacional. Na quarta-feira da semana passada, Augustin chegou a ligar para o relator das emendas ao projeto, feitas no plenário do Senado, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), solicitando que ele adiasse a apresentação de seu parecer.
Mesma tendência do PT luta a favor e contra a mudança
Tarso, Haddad e Augustin são da mesma tendência do PT, a Mensagem ao Partido . Quando estava montando sua equipe, o governador eleito do Rio Grande do Sul convidou Augustin para ser o seu secretário de Fazenda. Mas, neste momento, ambos estão em campos opostos, embora sejam da mesma tendência política.
O projeto muda o indexador das dívidas renegociadas para o IPCA, mais juros de 4% ao ano ou a taxa Selic – o que for menor. Atualmente, as dívidas são corrigidas monetariamente pelo IGP-DI, o índice de inflação calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mais juros de 6%, 7,5% e 9% ao ano. O ponto polêmico do projeto é que as novas condições financeiras serão aplicadas de forma retroativa, ou seja, a Selic será utilizada para o cálculo do estoque da dívida desde o início dos contratos.
Com isso, aquele Estado ou município que tenha um estoque de suas dívidas renegociadas maior do que o que será obtido pela aplicação da Selic desde o início do contrato, terá direito a um desconto, a ser feito pela União, equivalente à diferença entre os dois estoques.
Apenas três Estados que renegociaram suas dívidas pagam IGP-DI mais 7,5% ao ano, entre eles o Rio Grande do Sul. Outros 21 pagam IGP-DI mais 6%. A prefeitura de São Paulo paga IGP-DI mais juros de 9% ao ano. Um levantamento apresentado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE),no fim do ano passado, mostrou que a variação da taxa Selic de maio de 1997 (início da renegociação das dívidas estaduais) até dezembro de 2002 foi de 1.019%, enquanto a variação do IGP-DI mais juros de 6% ao ano ficou em 820%.
Essa situação muda pouco quando se inclui no cálculo a variação da Selic e do IGP-DI ocorrida em 2013. Isto significa que os Estados que possuem dívidas renegociadas com base no IGP-DI mais 6% ao ano não serão beneficiados, de imediato, com a cláusula da retroatividade do projeto de lei. Ou seja, essa regra não se aplica à maioria absoluta dos governos estaduais. Eles ganharão no futuro, pois a mudança do indexador reduzirá o resíduo que ficará ao final do prazo de pagamento das dívidas.
Apenas aqueles que possuem encargos financeiros baseados no IGP-DI mais juros de 7,5% ao ano ou de 9% ao ano serão beneficiados imediatamente pela retroatividade. Com a redução dos seus estoques, eles terão condições de obter novas autorizações de empréstimos e, desta forma, executar os seus programas de governo.
Todos continuarão, de qualquer forma, pagando a mesma coisa para a União, em juros e amortizações, pois o projeto não altera o percentual de comprometimento da receita líquida real (RLR) utilizado para cobrir os encargos financeiros. Desse ponto de vista, não há impacto na meta de superávit primário, embora o projeto venha a ter repercussão sobre a dívida do setor público.
A redação do projeto de mudança do indexador foi feita pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em comum acordo com o governo, que concordou até mesmo com o caráter retroativo da medida. Na mesma audiência pública da CAE já citada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, defendeu o projeto aprovado pela Câmara.
Depois, diante da mudança de percepção do mercado sobre a execução da política fiscal brasileira em 2013, marcadamente expansionista, e o temor de que o projeto da mudança do indexador aumente a desconfiança dos investidores, o governo alterou o seu discurso e passou a defender o adiamento da aprovação da proposta pelo Senado.
Hoje há, claramente, nesta questão, uma falta de sintonia entre a base de sustentação política do governo e a equipe econômica. O líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE) disse ao Valor, nesta terça-feira, que a equipe econômica não está contra a aprovação do projeto, apenas pediu para que a votação ocorresse em abril . Ele informou que o governo não apresentaria emendas para mudar o texto, pois esperava que projeto aprovado pela Câmara fosse também aprovado pelo Senado.
O líder do governo no Senado, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), disse ao Valor que há um entendimento na Casa para que as emendas ao projeto 99/2013 sejam votadas pela Comissão de Assuntos Econômicos e pela Comissão de Constituição e Justiça no próximo dia 9.
O ministro Mantega afirmou ontem, em entrevista à EBC, que o Brasil enfrenta uma espécie de ataque especulativo em função da suposição de que não estaria cumprindo a meta primária adequadamente. A discussão sobre a mudança do indexador poderia inflar esse ataque , segundo ele, pois deixa dúvidas no ar. O ministro da Fazenda deveria convencer, com urgência, a base política do governo. Principalmente uma certa tendência do PT.
Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras
E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br