A política monetária e a inflação (de serviços) no Brasil

    Banco Central do Brasil parece estar mesmo disposto a assegurar a convergência da inflação à meta de 4,5% em 2016. Pelo menos é isso que fica claro quando analisamos os pronunciamentos recentes da autoridade monetária. Afinal, não faltam expressões nesse sentido, tais como “autoridade vigilante”, “determinação” e “perseverança”. 

    Essa intenção do BC, no entanto, depende crucialmente da sua capacidade de reduzir a inflação de serviços, vilã do IPCA nos últimos anos. Isto, obviamente, na ausência de choques de oferta de alimentos e de rodadas adicionais de depreciação cambial. 

    O problema é que existem visões divergentes em relação à viabilidade do alcance da meta já em 2016. Enquanto o BC acredita na convergência, fazendo de tudo para tal, o mercado mantém rígidas suas expectativas de inflação para o ano que vem, na casa dos 5,5%. Para se entender bem os dois lados, é interessante conhecer quais os argumentos técnicos a favor de cada um. 

    O principal ponto a favor do BC é a deterioração recente do mercado de trabalho. Por exemplo, em abril, houve destruição líquida de quase 100 mil postos formais de trabalho, segundo dados do Caged. Não bastasse isso, a taxa de desemprego vem se elevando rapidamente (e de forma cada vez mais acelerada), tendo alcançado 6,4% em abril, mesmo patamar de abril de 2011 (dados da PME/IBGE). Diante desse cenário, os rendimentos nominais vêm desacelerando rapidamente. Essa realidade, embora triste, é condição necessária para a desinflação do setor de serviços. 

    A aposta do BC tem respaldo em alguns trabalhos acadêmicos recentes desenvolvidos na instituição. Dentre eles, chama atenção o Working Paper nºº 339 – “Um conto de três hiatos: Desemprego, Utilização da Capacidade Instalada na Indústria e Produto”, que estima curvas de Philips desagregadas para bens comercializáveis e não-comercializáveis dependendo, respectivamente, do nível de utilização da capacidade na indústria e do hiato do desemprego. Mediante mensuração alternativa do hiato do desemprego, chegam ao resultado que a inflação de bens não comercializáveis (tipicamente serviços) é bastante sensível ao aumento do desemprego. Assim, a rápida deterioração do mercado de trabalho seria capaz de reduzir, em larga medida, a inflação de serviços. Tal conclusão difere dos resultados tradicionais encontrados na literatura, que, em geral, mostram baixa sensibilidade da inflação de serviços ao nível de atividade. 

    Outro ponto que favorece a aposta no alcance da meta diz respeito às projeções do modelo de pequeno porte do Banco Central. No último Relatório de Inflação, tínhamos um IPCA projetado em 4,9% em 2016, tendo como parâmetros a taxa de juros em 12,75% e a taxa de câmbio em R$ 3,15. Nesse momento, a despeito da volatilidade, a taxa de câmbio mantém-se em torno do mesmo nível, e a taxa de juros já se encontra em 13,75%, podendo continuar a subir. Pela ótica desse modelo, portanto, aumentaram as chances de convergência da inflação para a meta. 

    Esses dois pontos poderiam trazer alguma esperança para o alcance da meta já em 2016, como deseja o Banco Central. Por outro lado, existem argumentos que suportam uma aposta mais próxima à do mercado, de que a inflação não vai ceder tão facilmente. 

    Em primeiro lugar, temos a inércia inflacionária. Dado que o BC não entregou a inflação na meta nos últimos cinco anos, os trabalhadores, ao invés de se fixarem nela, passaram a usar tanto a inflação passada, como as elevadas expectativas sobre a inflação futura para balizar reajustes salariais. Como a inflação de 2015 deve ficar em 8,39% (projeção Focus), isso representa um combustível e tanto para a inflação de 2016. 

    Em segundo lugar temos as expectativas de inflação, que se encontram desancoradas da meta. Somente para 2019 temos expectativas de IPCA em 4,5%. Para 2016, 2017 e 2018 temos 5,5%, 4,9% e 4,7%, respectivamente. Isso importa, porque as expectativas afetam a formação de preços de três formas: (i) diretamente, por intermédio de sua incorporação aos preços de produtos e serviços; (ii) via salários, pela sua incorporação aos salários nominais; (iii) indiretamente, porque alteram a taxa real de juros ex-ante. Logo, este é mais um fator que dificulta a obtenção da meta de inflação no ano que vem. 

    Um terceiro argumento diz respeito ao salário mínimo, que deve crescer acima de 8% em 2016. Ou seja, mesmo com crescimento (quase) zero do PIB em 2014, pela regra atual (PIB de dois anos antes + INPC do ano anterior), o reajuste do ano que vem carregará adiante a descompressão de preços de 2015. Considerando que o setor de serviços é bastante intensivo em trabalho, isso deve pesar na inflação desse setor. 

    Em quarto lugar, temos os impactos dos aumentos de preço da energia elétrica, os quais têm sido bastante intensos e ainda devem reverberar pela economia em 2016. Traduzindo em números, nos últimos 12 meses esses preços aumentaram nada menos do que 59,1%. Por mais que o BC se esforce para impedir os efeitos secundários desse aumento, ele representa uma forte elevação dos custos no setor de serviços, sobretudo no segmento de alimentação fora do domicílio. 

    Não bastassem os pontos levantados, a inflação de preços administrados projetada para o ano que vem se encontra acima de 4,5% (projeção do BC está em 5,3% e do mercado em 5,8%). Isso quer dizer que a desinflação de preços livres, cujo peso de serviços é quase metade, deverá ser ainda mais intensa do que aparenta à primeira vista. 

    Em síntese, não há como negar que o terreno seja mesmo fértil para o debate. Perante tanta divergência, façam suas apostas. 

    Gilberto Borça Jr. é economista, mestre em Economia pelo IE-UFRJ. Guilherme Tinoco é economista, mestre em Economia pela FEA/USP. Ricardo Barboza é professor de Macroeconomia do Instituto Coppead-UFRJ.

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorUma ´agenda federativa´ para desestabilizar as finanças
    Matéria seguinteBC atende o Planalto na liberação de compulsórios