BC atende o Planalto na liberação de compulsórios

    Banco Central atendeu o Palácio do Planalto e à pressão do setor de construção civil na liberação de depósitos compulsórios para financiamentos imobiliários, embora tenha conseguido uma vitória importante na defesa de sua independência com um arranjo que garante neutralidade do ponto de vista da liquidez do sistema bancário. 

    A solução aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), em fins de maio, tem impacto zero na liquidez do sistema bancário porque de um lado libera R$ 25 bilhões em compulsórios da poupança e, de outro, repõe R$ 25 bilhões de compulsórios sobre depósitos a prazo. 

    Mas a tese de neutralidade sob o ponto de vista do volume de crédito da economia é controversa. Pelo modelo adotado, com uma mão o BC absorve dinheiro mais caro que já estava sendo pouco usado no crédito livre e, com a outra, libera dinheiro barato para o crédito direcionado, que é pouco sensível a decisões de política monetária. Também tira recursos de bancos privados, que estão mais reticentes em emprestar, e dá aos públicos.

    O Valor apurou que pelo menos desde março as entidades que representam o setor de construção civil vinham tentando convencer o governo a liberar depósitos compulsórios. O BC e o Ministério da Fazenda haviam negado o pedido. 

    O BC era contra porque achava que poderia ter efeitos expansionistas na economia, num momento em que contém a demanda com juros altos para cumprir a meta de inflação. Em 2014, a credibilidade da política monetária foi arranhada com a liberação de compulsórios para setores como pequenas empresas e automóveis, por pressão do então ministro da Fazenda, Guido Mantega

    Com a negativa, o setor de construção civil encaminhou seu pedido ao Planalto, com o apoio da presidente da Caixa Econômica Federal, Miriam Belchior. O assunto passou a ser tocado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. E foi devolvido ao Banco Central com pedido de que fosse examinado uma segunda vez. Procurado pelo Valor , o BC negou que tivesse havido pressões na decisão. 

    Quando o assunto voltou ao BC, a visão da autoridade monetária já estava um pouco mais flexível. Em conversas com banqueiros, fiscais do BC haviam expressado a sua preocupação com a desaceleração acentuada do crédito imobiliário. 

    Hoje, depois de ter adotado as medidas, o BC sustenta que elas fazem sentido do ponto de vista de cumprir o seu objetivo de garantir a estabilidade financeira. Oscilações fortes na captação de recursos na poupança poderiam causar desequilíbrios no sistema de crédito imobiliário. 

    Pelas regras atuais, 65% dos recursos captados em poupança devem ser aplicados em financiamentos imobiliários. A alta do juro básico da economia provocou, neste ano, saques acumulados de R$ 32,3 bilhões na caderneta, dos quais R$ 29 bilhões estão vinculados ao crédito à habitação (o resto vai para crédito rural), que migraram para aplicações mais rentáveis. Em maio, segundo dados divulgados sexta-feira, foram sacados R$ 3,2 bilhões. 

    O dilema do BC era cumprir a sua missão de garantir a estabilidade financeira sem se desviar da missão de por a inflação na meta. Ao contrário do que se viu no ano passado, quando Mantega venceu na liberação de compulsórios, desta vez houve atenuantes. 

    Uma delas foi antecipar, em dois meses, o fim da regra adotada em 2014 que punia com corte de remuneração os bancos que não sacassem os compulsórios para financiar pequenas empresas e a compra de carros. Outra foi a neutralidade na liquidez do sistema. 

    É mais difícil, porém, sustentar a tese de neutralidade no agregado financeiro que realmente importa – o volume de crédito – sobretudo num sistema complexo como o brasileiro, com bancos públicos e privados, crédito livre e direcionado, taxas livres e tabeladas. 

    Os estudos do BC mostram que altas de compulsórios afetam mais o crédito de bancos menores. Mas esse segmento foi poupado da alta da alíquota de compulsório sobre depósito a prazo. 

    Hoje, não é exatamente a falta de liquidez que limita o crédito livre, mas sobretudo os juros altos, a aversão a risco dos bancos e o baixo apetite dos clientes. 

    Pelo dado mais recente, de dezembro, a liquidez do sistema bancário chegou a R$ 640 bilhões, alta de 22,5% em um ano, considerando-se itens como folgas de caixa, títulos públicos ou garantias excedentes em bolsa. Apesar da alta liquidez, o crédito livre se retraiu em 0,1% no primeiro quadrimestre. 

    Já os recursos da caderneta vão para um segmento mais dinâmico do mercado. Com todas as queixas de falta de recursos, o crédito imobiliário aumentou 6,7% neste ano, e 1,9% em abril. 

    A medida tira liquidez de bancos de forma geral, mas que vai ser menos sentida pela Caixa. 

    A Caixa responde por apenas 16% das captações de depósitos a prazo, mas por 35% das captações sob a forma de depósitos de poupança. Os bancos públicos têm maior apetite para emprestar. No primeiro quadrimestre, sua carteira de crédito cresceu 3,2%, e a dos privados, teve queda de 0,6%.

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorA política monetária e a inflação (de serviços) no Brasil
    Matéria seguinteSTF deve julgar planos econômicos só em 2016