Afinal, uma boa notícia para o Banco Central

    A última pesquisa Datafolha entre 7 e 8 de maio (em 174 municípios e 2.844 entrevistas) sugere que a disputa eleitoral de 2014 será um pouco menos monótona do que parecia até agora sem, de fato, reduzir significativamente a probabilidade de reeleição da presidente Dilma. Chamam a atenção alguns fatos que revelam amadurecimento e mais coerência dos informantes: primeiro, com relação à sua própria situação econômica, mostram um desconforto importante: 53% creem que ela vai estagnar ou piorar. Segundo, com relação à situação econômica do país, 69% pensam que ela vai estagnar ou piorar. E, terceiro, como consequência, nada menos do que 3 em cada 4 informantes querem “mudança” nas ações do próprio presidente, seja lá o que isso for…

    Mas os números revelam, também, algumas indicações não inteiramente compatíveis: 58% dos entrevistados entre 7 e 8 de maio pensavam que a taxa de inflação iria subir e 42% deles, que o desemprego iria aumentar, contra 65% e 45%, respectivamente, no levantamento de 2 e 3 de abril. Como a margem de erro da amostragem é de 2%, a melhoria da estimativa com relação à inflação está fora do limite do erro, o que não acontece com a estimativa do desemprego. Isso sugere que talvez uma fração importante dos informantes espera uma redução da taxa de inflação sem que isso aumente o desemprego, o que, obviamente, não é uma possibilidade trivial.

    O fato interessante é que, depois de uma elevação de 375 pontos da taxa Selic, é a primeira vez que os informantes revelam o sentimento que a taxa de inflação pode, eventualmente, diminuir. Numa larga medida isso contesta expectativas “apocalípticas” de alguns agentes do mercado e talvez venha a dar razão ao Banco CENTRAL. Sem apoio fiscal, ele tem sido cuidadoso para não errar a mão e produzir uma redução do nível de atividade maior do que a necessária. 

    Antes de prosseguir, vamos combinar uma coisa. A política monetária é condição necessária e suficiente para controlar a inflação, apenas no mundo dos livros escolares e das salas de aula. No mundo real, ela é necessária, mas não suficiente. Quando não coordenada com a política salarial, fiscal e cambial, ela só pode cumprir a sua missão a custos que são politicamente rejeitados pelo bom senso e pela sociedade. Em particular, se o ambiente político em que funciona o organismo econômico estimula uma política de aumento sistemático do salário real acima do aumento da produtividade física do trabalho, não há medida monetária que possa controlar a taxa de inflação.

    Os efeitos de curto prazo de tal política salarial são visíveis hoje no Brasil: pressão inflacionária e déficit em conta corrente. No longo prazo, seu resultado é a redução do crescimento que está chegando. Não há voluntarismo ou heterodoxia que possam superar esse fato numa sociedade onde haja liberdade individual e que seja economicamente organizada pelo mecanismo de mercado. Não se trata de “neoliberalismo”. É pura aritmética!

    Quais são os principais canais pelos quais circula a política monetária (no caso, o aumento da taxa de juros real de longo prazo) objetivando ancorar a expectativa de inflação na “meta” estabelecida pelo poder político? O primeiro é sobre o nível de atividade, ao influenciar a decisão de investimento das firmas e a de poupar e consumir das famílias. Torna-se visível depois de 9 a 12 meses, reduzindo a demanda global. O segundo é o da taxa de câmbio: o aumento da taxa de juros real interna com relação à taxa externa atrai capital externo, valoriza o câmbio, aumenta as importações, reduz as exportações, aumenta o déficit em conta corrente, reduzindo a demanda global. Seu efeito é, em geral, visível em pouco mais do que 3 ou 4 meses. O terceiro canal é o do crédito ao setor privado: do lado da demanda, o aumento da taxa de juros reduz a procura de crédito de giro dos empresários. A antecipação de que a demanda se reduzirá os torna mais sensíveis e reduz a disposição de investir. Do lado da oferta, os agentes financeiros também antecipam a redução do nível de atividade, do emprego e o aumento da inadimplência. Tornam-se mais cuidadosos nas análises do crédito e exigem maiores garantias. Tais efeitos são sentidos de maneira crescente, à medida que se consolida a crença que a política monetáriaprosseguirá.

    É impossível fixar antecipadamente qual deve ser o aumento final da taxa de juros real, qual a redução do nível de atividade e do emprego e quanto tempo levará para que a taxa de inflação convirja para a “meta”.

    O que sabemos é que: 1º) quanto maior a coordenação entre as políticas fiscal, monetária, cambial e salarial, menor será o custo social do ajuste; 2º) quanto maior for a credibilidade da política monetária, mais rápido se dará a convergência à meta.

    Apesar de toda a discussão e das críticas que se tem feito ao Banco CENTRAL, parece razoável dizer que os três canais analisados acima já estão funcionando no Brasil. A pesquisa Datafolha talvez seja a primeira boa notícia com relação à evolução das “expectativas” inflacionárias da sociedade (não apenas do setor financeiro) que pode reduzir o custo social do ajuste. 

    BC tem sido cuidadoso para não errar a mão

    Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras

    E-mail: contatodelfimnetto@terra.com.br

     

    Antonio Delfim Netto

     

    Fonte: Valor Econômico

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