Aposta certa

    Na contramão da concorrência, o Banco do Brasil opta por aumentar os empréstimos em tempo de juros menores. O resultado? O maior lucro semestral do sistema financeiro brasileiro

    Por Cláudio GRADILONE

    Cena 1: manhã da terça-feira 13, 18º andar do prédio do Banco do Brasil, em São Paulo, na Avenida Paulista. O administrador de empresas Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, divulga o maior lucro já registrado por uma instituição financeira no País: pouco mais de R$ 10 bilhões no primeiro semestre.

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    Bendine, presidente: ordem para as agências (foto abaixo) acelerarem o crédito

    Cena 2: manhã da quarta-feira 14, plataforma da estação Barra Funda da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). A auxiliar de escritório Maria Aparecida Pereira aproveita a inevitável espera para conversar com a cunhada pelo celular e colocar as novidades em dia. Moradora de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, ela contou como tinha conseguido reformar a casa. “Peguei um empréstimo consignado no Banco do Brasil!”, disse Maria, exultante. “As taxas estavam boas.”

    O telefonema de Maria soaria como música aos ouvidos de Bendine. Aos 49 anos, os últimos 35 passados no BB, cuja presidência ocupa desde 2009, ele vem seguindo religiosamente a orientação de Guido Mantega, ministro da Fazenda e presidente do conselho de administração do banco. Desde 2009, em uma resposta à crise financeira internacional, que fez os banqueiros privados reduzirem fortemente a concessão de empréstimos, a ordem para o BB foi usar seu poder de fogo, expresso no acesso ao capital e na rede de agências, para emprestar dinheiro, muito dinheiro, para mitigar os efeitos da crise sobre os negócios no País e, de quebra, tornar maior a dianteira do BB no mercado bancário.

    Neste ano, o script se repete. Temerosos da alta da inadimplência provocada pelo crescimento econômico magro, os bancos privados voltaram a se retrair. O BB, ao contrário, não deixou de acelerar e ganhou mercado. Em dezembro de 2007, ele respondia por 15% do total de ativos do sistema financeiro, segundo o Banco Central. Em março de 2013, essa participação rondava os 18%. O avanço de três pontos percentuais pode parecer modesto, mas ocorreu durante a fase de maior crescimento do crédito na história do Brasil. Nesse período, o total de ativos do sistema financeiro mais que dobrou, crescendo de R$ 2,38 trilhões para R$ 6,12 trilhões, um avanço de 157%. 

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    “O Banco do Brasil ampliou sua base de clientes e cresceu em todas as linhas de financiamento”, diz Bendine em uma entrevista exclusiva à DINHEIRO, na manhã da quinta-feira 15. A carteira total de empréstimos aumentou 25,7% em 12 meses, para R$ 638,6 bilhões. Ao atender milhões de clientes como a auxiliar de escritório Maria, Bendine colocou o BB na contramão do mercado. Na terça-feira 13, os números mostraram o acerto dessa decisão. O BB divulgou um lucro líquido de R$ 7,47 bilhões no segundo trimestre. Boa parte desse resultado foi turbinada pelos R$ 4,8 bilhões de lucro auferidos pela bem-sucedida abertura de capital da BB Seguridade, em abril.

    Desconsiderando-se a operação, o ganho semestral foi de R$ 5,2 bilhões, comparados aos R$ 7,2 bilhões do Itaú e aos R$ 5,9 bilhões do Bradesco. No segundo trimestre, o lucro líquido recorrente do BB foi de R$ 2,6 bilhões, 11,8% menor que o do mesmo período de 2012. No entanto, mesmo ganhando um pouco menos, o BB se antecipou a uma mudança radical no mercado financeiro e saiu na frente da concorrência, ganhando capacidade para operar de forma sustentável em um ambiente mais desafiador, com juros mais baixos. “A margem de ganho com os empréstimos, o chamado spread bancário, caiu para níveis muito inferiores aos de dois ou três anos atrás e esse patamar veio para ficar”, diz Bendine.

    GANHO SUSTENTÁVEL – A queda dos juros é uma mudança benéfica para a maioria dos agentes econômicos, sejam empresários que têm de investir, sejam cidadãos que desejam consumir, mas um ataque mortal à rentabilidade dos bancos. Um recente relatório da analista Regina Longo Sanchez, do Itaú BBA, traça um cenário difícil para os grandes bancos: a desaceleração do crescimento econômico e o aumento dos prognósticos para a inflação vão continuar a pressionar as margens. Bendine assina embaixo. “Os dias em que a rentabilidade patrimonial dos bancos oscilava ao redor de 23% ao ano ficaram para trás”, diz ele. 

    “Agora, o retorno deverá se estabilizar em cerca de 15% ao ano, o que é um desempenho excelente em tempos de juros mais baixos, mas é bem menos do que costumava ser.” No semestre, a rentabilidade patrimonial ajustada do BB ficou em 16,4%. Segundo o executivo, os bancos terão de buscar ganhos crescentes de eficiência e corte de custos e, principalmente, nichos mais rentáveis e ganhos de escala. Os números do setor mostram que essa lição de casa está bem adiantada. As 11 instituições financeiras que participaram da pesquisa do anuário AS MELHORES DA DINHEIRO, com circulação prevista para o próximo dia 31 de agosto, mostraram que, no conjunto, estão aprimorando suas operações e correndo mais riscos. 

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    Otimismo: o banco eleva os empréstimos em 25,7% e avança com linhas mais baratas, como o crédito agrícola e para a compra de veículos.

    No caso dos bancos pesquisados, as receitas aumentaram 3,32% em 2012 em relação a 2011, mas o lucro líquido cresceu quase cinco vezes mais do que isso, aumentando 15,49%. Os depósitos cresceram 5,1%, mas os empréstimos concedidos avançaram 14,5%. “Em um ambiente de competição mais acirrada, margens mais apertadas e juros em queda, os bancos foram capazes de ampliar suas carteiras de crédito e aumentar os lucros”, diz Miguel Ângelo Arab, professor da Trevisan Escola de Negócios e responsável pela pesquisa. No caso do BB, essa estratégia foi mantida em 2013, enquanto seus maiores concorrentes voltaram a ser cautelosos.

    A equipe de Bendini fez isso mantendo a inadimplência baixa: o índice de atrasos superiores a 90 dias chegou a 1,87% no total – o menor dos últimos 11 anos –, abaixo da média do setor (3,40%). Qual o segredo desse bom resultado? No primeiro semestre, o maior crescimento dos empréstimos para pessoas físicas ocorreu em linhas com taxas mais baixas, como os créditos consignados e o financiamento imobiliário. Junto com os empréstimos automotivos e o crédito ao consumo vinculado ao salário, essas linhas perfazem 75,2% do total emprestado para pessoas físicas, ante 72,9% do mesmo período de 2012. A participação de linhas mais caras, como as do cheque especial e do limite rotativo do cartão de crédito, caiu de 22,1% em 2012 para 20% neste ano. 

    O BB optou por tirar o foco das carteiras mais caras, em que ganhava mais dinheiro, reforçando a ênfase nos produtos onde a margem é menor. Na ponta do lápis, diz o presidente, um empréstimo rotativo no cartão de crédito pode render 40% ao ano para o banco. O problema, explica, é que o custo elevado propicia uma inadimplência alta que, nos momentos de crise, pode chegar a 25% da carteira. “Cheque especial e empréstimo rotativo são linhas de financiamento arriscadas para o banco e muito difíceis de operar”, diz ele. “Não são produtos sustentáveis no longo prazo.” No pujante setor do agronegócio, a expansão do crédito foi de 32,8%.

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    Festa na Bolsa: abertura de capital da BB Seguridade rendeu lucro de R$ 4,8 bilhões

    DIVERSIFICAÇÃO – O ponto mais importante da estratégia de diversificação são os ganhos permanentes e maiores com a BB Seguridade. Com a concentração das áreas de seguros, previdência e capitalização na empresa, ganhou-se agilidade na tomada de decisões. Em 2008, esses negócios representavam 14% do lucro do banco, percentual que aumentou para 20,9%, em 2013. “A meta é que a BB Seguridade represente 25% do resultado em cinco anos”, diz Bendine. As margens dos seguros são melhores do que as da atividade bancária. A aposta é correta. O aumento da renda média do brasileiro vem fazendo com que a venda de seguros avance a taxas de dois dígitos – o crescimento foi de 25% em 2012. 

    No caso da BB Seguridade, a abrangência da rede do banco permite apostar em um crescimento acelerado. Na terça-feira 13, a empresa divulgou um lucro líquido trimestral de R$ 550,3 milhões, em alta de 31% em 12 meses. A rentabilidade patrimonial prevista para 2013 deve ficar entre 37% e 41%. O crescimento dos empréstimos automotivos está no topo da agenda do banco. Para queimar etapas, o BB adquiriu 50% das ações do Banco Votorantim em 2008. Bendine é lacônico ao comentar o assunto, mas quem acompanhou a transação avalia que o banco da família Ermirio de Morais foi atingido duramente em dois momentos. 

    A retração do crédito e a economia fraca em 2008 e em 2009 aumentaram a inadimplência nos empréstimos automotivos. Com o crescimento de 2010 e as medidas do governo federal de incentivo às montadoras, os bancos públicos e privados apostaram muitas fichas nesse negócio. Mais dois anos mornos para a economia e o calote voltou a avançar. No caso do Votorantim, em que esses empréstimos representam quase 90% das atividades do banco, as perdas são visíveis. A avaliação é de que o pior já passou. Para Ivan Monteiro, vice-presidente de finanças do BB, a estimativa do banco é de que os empréstimos ruins, que atualmente chegam a 29% da carteira original do Votorantim, estarão reduzidos para 4% em dezembro de 2014. 

    Segundo Bendine, ainda neste semestre, o BB e a família Ermirio de Morais terão de decidir sobre uma proposta do bancão estatal de ampliar sua participação no capital do Votorantim. No início deste ano, o BB divulgou um fato relevante em que anunciava planos de ampliar sua participação de 50% para 75% do capital do Votorantim, por meio da compra de 100% das ações preferenciais. O que é mais provável? “Essa questão ainda está em estudo”, limita-se a dizer Bendine. “Nossa meta será contribuir com gestão e conhecimento da base de clientes para reduzir o risco desses empréstimos.”

     

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    A Caixa também abre o cofre

    As boas notícias do braço financeiro estatal não se restringem ao BB. Também a Caixa, que acompanhou todo o movimento de redução de juros e a aposta de que poderia recuperar a queda nos spreads com ampliação da concessão de crédito iniciado no ano passado, está entregando resultados acima da expectativa. No primeiro semestre de 2013, o lucro somou R$ 3,1 bilhões, um crescimento de 10,3% sobre o mesmo período do ano passado, garantindo um retorno anualizado sobre o patrimônio líquido de 26,6%. 

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    Ao mesmo tempo, a carteira de crédito avançou 42,5% nos últimos 12 meses, enquanto a inadimplência caía de 2,34% para 2,27% entre o primeiro e o segundo trimestre. O presidente da Caixa, Jorge Hereda, que não esconde o plano de ultrapassar o Bradesco em ativos e ocupar o terceiro lugar do ranking em valor de ativos, garante que a estratégia mantida até agora é sustentável. “Não estamos fazendo nenhuma aventura”, afirma Hereda. 

    A multa bilionária da Receita

    O Itaú Unibanco divulgou, na manhã da sexta-feira 16, um fato relevante informando ter recebido um auto de infração da Receita Federal cobrando R$ 18,7 bilhões, dos quais R$ 11,8 bilhões em Imposto de Renda e R$ 6,9 bilhões em Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido. Segundo o banco, a Receita está cobrando impostos que não foram recolhidos em 2008, ano da fusão entre o Itaú e o Unibanco. 

    O fato fez as ações caírem 2% no início da tarde, uma das maiores quedas do Índice Bovespa. No comunicado, o Itaú informa que a operação seguiu a legislação e foi aprovada pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários. Procurado, o banco não fez comentários. Outras associações, como a da BM&F com a Bovespa e a dos bancos Santander e ABN Amro, também geraram multas bilionárias da Receita. Todos recorreram à Justiça e ao Conselho de Contribuintes.

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