Às portas da recessão

    Varejo tomba 2,6% em dezembro e registra em 2014 o pior desempenho em 11 anos, com uma expansão de apenas 2,2%. Para analistas, os números confirmam a tendência de retração da economia brasileira em 2015

    O varejo, principal motor da economia brasileira desde a última década, perdeu o fôlego e dá sinais de retração. O setor cresceu apenas 2,2% em 2014, no menor patamar desde 2003, segundo a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para piorar, houve queda de 2,6% no desempenho de dezembro em relação ao mês anterior, o pior nível da série histórica. Nas contas de analistas, o resultado comprova que o país está às portas da recessão. 

    O freio no comércio sinaliza também fraqueza no ramo de serviços e no consumo das famílias, indicadores que devem puxar para baixo o Produto Interno Bruto (PIB) no quarto trimestre de 2014, resultado que indica retração também no primeiro trimestre deste ano. “Acho pouco provável que o quarto trimestre seja positivo”, avaliou Fábio Bentes, economista-sênior da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). 

    Com números ruins do comércio em dezembro, o Itaú-Unibanco reduziram sua estimativa para o PIB do último trimestre de 2014 de 0,2% para 0%. “As vendas do varejo vieram abaixo do que projetávamos”, admitiu Rodrigo Miyamoto, economista da instituição. Apesar de o percentual ainda não apontar recessão, sua aposta de crescimento para o ano passado agora é zero.

    Os juros elevados e o desaquecimento do mercado de trabalho, que minam o poder de consumo da população, foram os principais vilões para a crise no comércio. Bentes, da CNC, a inflação, entretanto, não teve impacto forte sobre o desempenho do setor. Ele destacou que os preços no varejo em 2014 variaram 6,1% na média, abaixo dos 7,3% do ano anterior. “O cenário foi agravado pelos reajustes de preços controlados pelo governo. Os consumidores sentiram as contas de água e luz mais caras e previram alta dos preços da gasolina e do transporte urbano. Com isso, cortaram gastos”, avaliou. 

    Ao contrário das despesas com supérfluos e até com alimentação, o brasileiro não escapou da correção nas tarifas represadas. “Se o preço de um eletrodoméstico ou um alimento fica muito caro, a pessoa deixa de comprar ou o troca por outro produto mais barato. Mas, se a eletricidade sobe, é uma medida prudente conter a despesa”, acrescentou Bentes. Como reflexo da desaceleração do consumo, as despesas com bens duráveis, como móveis e eletrodomésticos, equipamentos e materiais para escritório, além de artigos de uso pessoal, despencaram na média 6,9% em dezembro. 

    A retirada de subsídios da linha branca e a volatilidade do câmbio foram outros fatores que pesaram nas decisões de compras do consumidor, avaliou Nilo Lopes, técnico da área de comércio e serviços do IBGE. “De um modo geral, todos os segmentos foram prejudicados diante da atual conjuntura. O crédito está mais caro e restrito, e o crescimento da massa salarial está em desaceleração”, ressaltou. 

    O resultado do varejo só não foi pior porque, mesmo com os baixos resultados no último trimestre, os segmentos de uso pessoal e doméstico e de artigos farmacêuticos e de perfumaria tiveram performance acima dos demais ao longo do ano. “São áreas que independem do crédito. Um vende itens essenciais, como medicamentos, e outro se destaca por ter larga variedade de artigos para o lar”, analisou Lopes. Em contrapartida, a escassez do crédito foi determinante para o tombo de outros mercados, como o automotivo, para que levasse o varejo ampliado para uma queda de 1,7% em 2014. 

    Cenários

    Apesar do cenário desfavorável para o varejo, comerciantes tentam manter o otimismo. Os feriados e pontos facultativos no ano passado, sobretudo na Copa do Mundo, foram alvos de críticas. Mesmo os “enforcamentos” previstos para este ano, a expectativa é de um ano melhor, na avaliação do presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro. “Devemos ter um primeiro semestre de muitos ajustes e muita cautela. Certamente, não haverá grandes investimentos no período, mas acredito que teremos reação na segunda metade do ano”, analisou. 

    Para economistas, no entanto, a situação do varejo não será diferente em 2015. Ao longo do ano, o Banco CENTRAL deve, na tentativa de controlar a inflação, anunciar novos aumentos da taxa básica de juros (Selic), o que encarecerá o crédito. E o aperto da política fiscal pode levar a mais desemprego. “Os salários menos pressionados e o fraco desempenho da economia devem impedir melhora sustentável do varejo”, prevê Octavio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco. 

    A previsão da CNC é de um aumento de 1,7% no volume de vendas no acumulado deste ano. “Desde 2013, a velocidade de crescimento tem sido reduzida à metade. Pode ser até que cresça 1,1%, mas a desaceleração não deve se dar de forma tão acentuada, já a inflação do varejo tem mantido trajetória favorável”, afirmou Bentes. “O que vai pesar será como o orçamento doméstico absorverá os reajustes das tarifas públicas”, emendou.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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