Banco Central confunde mercado

    Previsões de inflação equivocadas e comunicação falha deixam analistas em dúvida sobre o que move as ações do BC

    Tido como um dos raros redutos livres do aparelhamento político que se instalou na Esplanada dos Ministérios e elogiado pelo quadro técnico de reconhecida competência, o Banco CENTRAL (BC) tem recebido críticas que colocam em xeque a credibilidade da instituição. Entre os problemas listados por economistas do mercado financeiro e ex-diretores do BC, estão erros nas previsões e falta de clareza na comunicação com a sociedade. 

    Motivo para críticas é o que não falta. A começar pelos sinais trocados emitidos pela comunicação do órgão. Num intervalo de apenas dois meses, diretores do Comitê de política monetária (Copom) – chefiado pelo presidente da instituição, ALEXANDRE TOMBINI – contradisseram pelo menos três vezes documentos oficiais, preparados por técnicos do órgão, sobre o comportamento da inflação.

    Essas declarações levaram o mercado a prever um aperto nos juros ainda maior do que o estimado inicialmente. Tanto que, mesmo com o país à beira da recessão, as apostas são de que a Selic subirá dos atuais 12,25% ao ano para até 13,75%, até dezembro. “A comunicação errática do BC leva a movimentos exagerados nas taxas de juros”, assinalou o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais da instituição.

    O economista sênior do Banco Besi Investimento, Flávio Serrano, disse que a falta de clareza traz incertezas sobre os fatores que mais contribuem para uma eventual alta de juros. “A gente fica sem entender o que pesa mais para o BC, se é a inflação persistentemente elevada, a alta do dólar ou o risco de recessão”, questionou.

    Outro motivo de preocupação são os erros de previsão da autoridade monetária para o comportamento da inflação. Desde 2011, todas as estimativas que o BC fez para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dois anos à frente estavam erradas. Os números, divulgados a cada três meses, ficaram sempre abaixo do resultado medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em média, a carestia prevista pelo BC para o período foi de 4,69%, em linha, portanto, com o centro da meta de inflação, de 4,5%. Mas o custo de vida oficial foi bem maior, de 6,15%, praticamente no limite máximo da meta.

    Não sem surpresa, após tantos erros, o mercado passou a ignorar as previsões do BC, não só de dois anos à frente, mas também as de curto prazo. A autoridade monetária estimou em dezembro, no último relatório de inflação, que o IPCA subirá 6% em 2015. Já para os economistas das cerca de 100 instituições financeiras consultadas pelo BC na pesquisa semanal Focus, a carestia fechará o ano acima de 7,15%, rompendo, com isso, o teto da meta – o que não acontece desde 2004. O mesmo vale para 2016. Mesmo após o BC ter reiterado o compromisso de trazer o custo de vida para 4,5%, ao fim do ano que vem, o mercado projeta uma inflação bem maior, de 5,6%. O mais próximo que o IPCA chegará da meta será 4,8%, e só será alcançando em 2019, nas previsões do boletim Focus.

    Desconfiança

    No fim de outubro, o BC surpreendeu o mercado ao elevar a Selic em 0,25 ponto percentual três dias após o segundo turno das eleições, quando 10 em cada 10 analistas apostavam na manutenção da taxa. A partir daquele momento, dizem economistas, ficou claro que o Bancopassaria a adotar uma postura mais firme no combate à escalada dos preços. Mas, 45 dias depois, a autoridade monetária sugeriu justamente o oposto, quando, ao mesmo tempo em que dobrou o ritmo de aperto nos juros, para 0,5 ponto percentual, disse em comunicado que uma eventual alta da Selic deveria ser executada com “parcimônia”.

    A confusão foi tamanha que, 20 dias depois, o BC retirou a palavra do relatório de inflação, e mudou totalmente a comunicação. No fim de janeiro, após manter o ritmo do aperto em 0,5 ponto, a autoridade monetária passou a mencionar que faria “o que fosse necessário” para trazer inflação para o centro da meta, de 4,5% ao fim de 2016. 

    No meio do caminho, preocupações quanto à estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) levaram o mercado a acreditar que a autoridade monetária pudesse dosar a mão sobre os juros, de modo a evitar jogar o país numa forte recessão. Para o mercado, estava claro que haveria uma redução no ritmo do aperto, para 0,25 ponto, e encerraria o ciclo com a Selic em 12,5% ao ano. Mas essa hipótese caiu por terra quando, na última terça-feira, o novo diretor de Política Econômica, Luiz Awazu Pereira, ressuscitou a expressão “especialmente vigilante”, usada nos comunicados do Copom de anos anteriores, e indicou que o BC teria uma postura agressiva contra a inflação. 

    Dívida pode atingir R$ 2,6 tri

    A Dívida Pública Federal (DPF), que inclui o que o país deve nacionalmente e no exterior, deve bater novo recorde este ano. Depois de atingir estoque de R$ 2,3 trilhões em 2014, a previsão do Ministério da Fazenda é que esse montante cresça entre 4,5% e 13,3%, podendo somar R$ 2,6 trilhões. Ao divulgar o Plano Anual de Financiamento (PAF), o ministro Joaquim Levy enviou uma mensagem aos brasileiros: reafirmou o “compromisso com a solidez dos fundamentos macroeconômicos do país, tendo a disciplina fiscal e a estabilidade de preços como valores indispensáveis para a sustentação do crescimento e a busca de uma sociedade mais justa e aberta”. 

    Credibilidade zero

    Erros de previsões e comunicação desencontrada aumentam o descrédito do Banco CENTRAL no mercado financeiro 

    Fora do alvo

    Todas as projeções feitas pelo BC dois anos antes não se confirmaram 

    Período    Projeção (%)    Inflação oficial (%)

    Dez/11    4,6    6,50

    Dez/12    4,8    5,84

    Dez/13    5,3    5,91

    Dez/14    4,9    6,41

     

    Sem trégua

    Mercado financeiro ignora projeções do BC e prevê inflação alta até 2019

     

    Ano    BC    Mercado

    2015    6,0    7,15

    2016    4,9    5,60

    2017    4,5*    5,30

    2018    4,5*    5,00

    2019    4,5*    4,80

    *Centro da meta de inflação

     

    Comunicação truncada

     

    » 29/10/14 – Três dias após a reeleição da presidente Dilma Rousseff, em segundo turno, Banco CENTRAL subiu os juros em 0,25 ponto percentual e surpreende o mercado financeiro. Dez de cada 10 analistas apostavam que autoridade monetária manteria a Selic em 11% ao ano.

     

    » 6/11/14 – Em ata, Comitê de política monetária (Copom) credita aumento dos juros à “intensificação dos ajustes de preços relativos”, e avisa que o balanço de riscos para a inflação se tornou “menos favorável”. Comunicado foi considerado mais duro do que o de costume e indicara, para analistas, uma postura mais firme do BC com a carestia.

     

    » 3/12/14 – O BC dobrou o ajuste nos juros, de 0,25 ponto percentual para 0,5 ponto, e confundiu o mercado ao indicar, no comunicado pós reunião do Copom, que novas decisões deveriam considerar os efeitos “cumulativos e defasados” do aperto nos juros. Em tom mais explícito do que o de costume, diz que “esforço adicional de política monetária (aumento dos juros) tende a ser implementado com parcimônia”.

     

    » 23/12/14 – O mercado critica a confusão dos comunicados do BC. A autoridade monetária muda estratégia de ação e retira do Relatório de Inflação a palavra “parcimônia” que havia sido usada tanto no comunicado, quanto na ata do Copom. Para o mercado, BC deixava claro que passaria a perseguir a inflação baixa com mais firmeza do que antes.

     

    » 21/01/15 – O BC mantém ritmo de aperto e eleva juros em 0,5 ponto percentual, para 11,75% ao ano. Em declarações à imprensa, diretores passaram a dizer que autoridade monetária faria o que fosse necessário para trazer inflação para o centro da meta, de 4,5% ao fim de 2016.

     

    » 29/01/15 – O Comitê de política monetária (Copom) elimina da ata a afirmação de que faria “o que for necessário” para trazer a inflação para baixo, usada tanto em comunicados, quanto em declarações de diretores. Novamente, comunicado confundiu o mercado.

     

    » 10/02/15 – Durante participação no G20, em Istambul, na Turquia, novo diretor de Política Econômica, Luiz Awazu Pereira, indica nova postura agressiva contra a inflação, e diz que país não pode ser “complacente” com ajustes. Por fim, declarou que Banco CENTRAL deve manter-se “especialmente vigilante” na tarefa de tentar trazer os preços para baixo.

     

    Fontes: Banco CENTRAL e analistas de mercado financeiro

     

    Fonte: Correio Braziliense

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