Atrasar a reforma da Previdência em mais dez anos pode significar um custo acumulado de 23% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2060. Por isso, argumenta David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch (BofA), esperar não é mais uma opção. “Não é que chegou a hora de fazer a reforma da Previdência, é que já passou”, diz ele.
Em estudo obtido com exclusividade pelo Valor, Beker calcula que, se nada for feito, o déficit da Previdência pode alcançar 13% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2060, um custo fiscal que comprometeria as aposentadorias das futuras gestões. Em 2015, o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi de 1,5% do PIB.
A prioridade, afirma o economista, deve ser a reforma do RGPS, que no ano passado teve déficit de R$ 85,5 bilhões e beneficiou mais de 32 milhões de pessoas. A reforma do Regime Público de Previdência Social (RPPS), que passou por mudanças em 2011, seria o segundo passo, ainda que o déficit de R$ 67,4 bilhões em 2015 tenha beneficiado muito menos pessoas (572,2 mil).
Na reforma do RGPS, diz Beker, a medida inicial deveria ser aumentar a idade mínima para aposentadoria, porque a regra não dependeria da evolução do PIB para fazer efeito, como seria o caso da correção do piso por outra fórmula que não o salário mínimo. Esse é também, em sua opinião, o ponto em que há mais consenso no debate atual.
A idade média de aposentadoria no Brasil hoje é de 56 anos para os homens e 52 para as mulheres, bem abaixo da média da OCDE. Para Beker, com as mudanças demográficas em curso – aumento da expectativa de vida e envelhecimento da população -, não está longe o momento em que o período de aposentadoria será maior do que o período de contribuição, o que explica as projeções crescentes de déficit para o regime. Tome-se por exemplo uma mulher que tenha começado a trabalhar aos 20 anos. Aos 50 anos, ela pode se aposentar e receber o benefício por quase 29 anos (com base na expectativa de vida atual, de 78,8 anos), enquanto seu período de contribuição foi de 30 anos.
Por isso, Beker avalia que o melhor caminho seria unificar as idades mínimas de aposentadoria para homens e mulheres. Beker estimou que, caso a idade mínima de 60 anos seja adotada para ambos os sexos – e as diferenças entre aposentadoria rural e urbana eliminadas – já em 2019, com acréscimo de um ano nesse piso a cada quadriênio, para acompanhar o aumento da expectativa de vida, será possível manter o gasto com o regime geral de previdência razoavelmente controlado.
Em 2047, a despesa com benefícios previdenciários seria de 8,4%, um ponto a mais do que a despesa em 2015, de 7,4% do PIB. Caso sejam mantidas as regras atuais, a despesa alcançaria 14,1% do PIB daqui a 30 anos, de acordo com os cálculos do banco.
O estudo do BofA deixa claro que cada adaptação das regras têm impactos fiscais relevantes. Se a mesma regra acima for adotada, mas forem mantidas idades mínimas de aposentadoria diferentes para homens e mulheres (60 anos para homens e 56 anos para mulheres em 2019), o gasto com a previdência em 2047 seria de 9,7% do PIB.
Beker tem se dedicado a estudar o tema há anos. Sua tese de mestrado em 2002, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, já falava do “problema previdenciário brasileiro sob a ótica fiscal”.
Para ele, o importante é não parar de reformar. A próxima etapa, depois de adotada idade mínima para a aposentadoria, seria desvincular o piso do benefício da correção do salário mínimo. “Uma reforma que desvinculasse a correção anual do benefício da variação do salário mínimo poderia ajudar o sistema a contrabalançar o esperado aumento no déficit anual por causa do aumento do número de segurados”, diz Beker no relatório.
A correção real do benefício previdenciário, diz o economista, deveria ser inferior à variação do PIB para alinhar as pensões ao crescimento da riqueza nacional nas próximas décadas.
Entre os cenários alternativos levantados pelo banco, caso o regime seja unificado – para homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais – e o piso da aposentadoria tenha correção real de 1% ao ano a partir de 2024, a despesa da Previdência seria de cerca de 6% em 2047, quase 1,5 ponto menor do que atualmente.
O estudo do BofA considerou,c omo comparação, a correção do salário mínimo pela regra atual. Para o PIB, as estimativas são de queda de 3,8% em 2016, crescimento de 0,8% em 2017, média de expansão do PIB de 2% até 2022 e de 2,5% nos anos seguintes. As estimativas também consideram que qualquer mudança de regra teria efeito imediato para todo novo beneficiário. Por isso, o banco pondera que há grande incerteza nas estimativas, devido ao número de hipóteses levadas em conta.
As hipóteses também ficaram centradas no regime geral, embora o banco considere que o regime de previdência para os funcionários públicos tenha que ser reformado. A melhor alternativa, no caso, seria limitar todos os benefícios a um determinado teto, como ocorre no RGPS. Com a regulamentação do Funpresp em 2011, apenas os trabalhadores que ingressaram no sistema público a partir dessa data deixaram de ter aposentadoria integral.
Para Beker, a alternativa hoje é reformar a Previdência gradualmente, já que mudar de uma vez para um sistema de capitalização, como fez o Chile na década de 90, por exemplo, elevaria significativamente a dívida como proporção do PIB. “O processo de reforma da seguridade social no Brasil terá que ser gradual, mantendo o foco no fato de que o tempo já se esgotou. Quanto mais o governo postergar a muito necessária reforma da Previdência, maior será o preço a ser pago quando finalmente for implementada”, diz.
A urgência decorre, em parte, do fato de que o Brasil não aproveitou os anos de bonança, com bônus demográfico, por exemplo, para seguir os passos de outros países da América Latina, que nos últimos anos adotaram reformas mais estruturais, com mudança do sistema de pensão, de público para privado.
O Regime Geral de Previdência Social nacional adota o sistema de repartição – ou solidário -, no qual os benefícios e aposentadorias são custeados por aqueles trabalhadores que estão na ativa. Boa parte do restante da América Latina, como Chile, México, Peru e Colômbia, adota regime de capitalização, pelo qual o contribuinte forma um fundo próprio de contribuição, para sustentar a aposentadoria no futuro.
Fonte: Valor Econômico