Cresce aposta em corte de juro apesar das dúvidas com ´novo´ BC

    A aposta em corte de juros em 2016 ganhou corpo desde a última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) e passou a ser a previsão majoritária entre os economistas ouvidos pelo Valor. A mudança de visão não se baseia apenas na comunicação feita pelo BC mas também no ajuste do cenário de inflação traçado pelos especialistas. A inflação corrente mais baixa e consequente queda das projeções devem abrir espaço para um alívio monetário este ano, juntamente com a melhora das perspectivas econômicas diante da mudança de governo que se desenha – o que tem efeito direto sobre o câmbio.

    Todos os 30 economistas consultados acreditam em manutenção da taxa Selic no encontro do Copom previsto para esta semana, nos dias 26 e 27 de abril. Embora o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenha confirmado há poucas semanas a queda da inflação em 12 meses para o patamar de um dígito – 9,39% em março, ante 10,36% em fevereiro – e tenha ocorrido um alívio importante das projeções para o IPCA, o Banco Central já avisou que “não há espaço para flexibilização da política monetária“.

    A dúvida a ser esclarecida nesta semana, portanto, é se o colegiado já vai preparar o terreno para um corte da taxa Selic em breve. Essa indicação pode vir, por exemplo, da decisão de manutenção em placar unânime (as recentes manutenções tiveram votos dissidentes, a favor da elevação). A percepção do mercado é de que este BC tem pouco espaço para assumir compromissos de longo prazo. Dada a perspectiva de troca de governo e de equipe econômica – caso se confirme o impeachment da presidente Dilma Rousseff -, não há qualquer garantia de que o comando da autoridade monetária continuará o mesmo na reunião seguinte do Copom, marcada para os dias 7 e 8 de junho.

    A despeito dessas incertezas, a maioria dos analistas conta com uma redução da Selic para o fim deste ano. São 24, ou 80% dos consultados, os que preveem uma Selic menor, ante 38,71% na sondagem que antecedeu a reunião de março. Cinco entrevistados (16,67%) contam com estabilidade do juro e um não indicou sua projeção.

    Para 2017, dois economistas já falam em juro de um dígito. Para esse horizonte, as projeções variam entre 9,50% e 14,25%.

    A mudança de expectativa dos economistas está coerente com a definição de preço dos juros no mercado futuro, onde também se vê um firme declínio. A taxa do contrato para janeiro de 2017, que indica as apostas para a Selic no fim deste ano, cedeu de 14,18% no último dia de fevereiro para 13,50% na quarta-feira. Ao mesmo tempo, a inflação esperada pelo mercado recuou com força. A inflação implícita da NTN-B com vencimento em 2018, por exemplo, estava em 7,85% no começo de março e, na semana passada, em 6,10%. A estimativa mediana para o IPCA, segundo a Focus, recuou de 7,59% para 7,08% neste período.

    A profunda recessão pela qual o país passa e seus efeitos sobre a demanda, o crédito e, consequentemente, sobre os preços ajuda a explicar a redução das projeções de inflação. Mas a variável determinante para a correção dos cenários traçados pelos economistas foi a mudança de comportamento do dólar, que perdeu 11,80% do valor desde o começo de março. O ajuste da moeda se deu em grande parte pela dinâmica do câmbio no exterior, onde o dólar voltou a se enfraquecer ante a cautela demonstrada pelo Federal Reserve (o BC americano) na condução dapolítica monetária americana. Mas houve também uma importante redução do prêmio de risco exigido pelos agentes, verificada à medida que as apostas no impedimento da presidente ganharam corpo.

    A expectativa de que o novo governo traga um nome forte para comandar a economia também permeia as projeções. Consultados sobre possíveis candidatos para o Ministério da Fazenda, economistas apontam Arminio Fraga, Henrique Meirelles, Murilo Portugal, Marcos Lisboa, Paulo Leme e José Serra. E, para a presidência do Banco Central, Ilan Goldfajn e Eduardo Loyo.

    Solange Srour, da ARX Investimentos, ainda mantém a previsão de corte de juros apenas em 2017. Mas observa que a habilidade de Michel Temer, se confirmado como próximo presidente, montar um governo capaz de restaurar a confiança pode definir o rumo do alívio dos juros. “Para que as expectativas de inflação caiam mais consistentemente e permitam redução de juros ainda este ano, é necessário aprovação de medidas que recoloquem nossa dívida em trajetória declinante o mais cedo possível”, afirma Solange. “Em um cenário de ajuste fiscal significativo e crível, aSelic pode cair para patamares menores que dois dígitos”, acrescenta a economista, para quem somente com controle forte do crescimento dos gastos correntes já seria possível chegar a uma Selic de 10,25% no fim de 2017.

    A hipótese de que o novo governo faça ajustes nas diretrizes da política econômica e realize um ajuste fiscal crível está no cenário traçado pela analista-chefe da Coinvalores, Sandra Peres. Ela espera uma Selic de 14% no fim de 2016 e de 12,5% no fim de 2017. Já André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, vê Selic em 13,25% no fim deste ano e em 12% em dezembro de 2017, em um cenário em que haverá mudança na parte fiscal, com possível ampliação da DRU e o fim do reajuste automático do salário mínimo. “Mas isso não surtirá efeito no curto prazo. Temer tem um capital político limitado e ele terá que forçar mudanças logo no início, senão os partidos que apoiaram o impeachment vão abandonar o barco”, afirma.

    O único entrevistado que espera estabilidade da Selic até o fim de 2017 é o economista-chefe do UBS, Guilherme Loureiro. Mas ele vê chance de corte, a depender do comportamento do câmbio. Hoje, sua projeção para o IPCA é de 6,8% para este ano.

    Fonte: Valor Econômico

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