Maior credor do aeroporto de Campinas, o BNDES diz que ‘avaliará as medidas cabíveis para assegurar seus interesses’; principal preocupação é sobre como a concessionária será indenizada pelos investimentos já realizados
Lu Aiko Otta e Fernando Nakagawa
BRASÍLIA – Bancos que financiaram a expansão do aeroporto de Viracopos temem um prejuízo de R$ 2,53 bilhões, depois que o consórcio do terminal, em meio à crise, devolveu a concessão. Maior credor com mais de R$ 2 bilhões, o BNDES diz que “avaliará as medidas cabíveis para assegurar seus interesses no momento oportuno”.
Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que, em março, o consórcio do aeroporto de Campinas (UTC, Triunfo, Egis e Infraero) devia R$ 1,68 bilhão ao banco de fomento por meio de empréstimos diretos e R$ 476 milhões em títulos de dívida, as chamadas debêntures. Ao todo, são R$ 2,16 bilhões devidos ao banco. Outras instituições também têm R$ 423 milhões a receber. Desse valor, Itaú BBA responde por R$ 146,3 milhões, Bradesco e Banco do Brasil têm, cada, R$ 131,4 milhões e o antigo Banco Espírito Santo – atualmente Haitong – possui R$ 14,9 milhões. Esses créditos têm origem no BNDES, mas foram repassados por essas instituições que, por isso, carregam o risco da operação.
Para os credores, geram especial preocupação as indefinições sobre quais pagamentos serão priorizados, ou como a concessionária será indenizada pelos investimentos já realizados.
Atualmente, os débitos financeiros estão sendo pagos em dia e o aeroporto informa em nota que “não existe previsão de interrupção”. Mas a concessionária já deixou de cumprir obrigações com o governo e, para receber parcela de R$ 173,8 milhões referente à outorga, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) teve de acionar o seguro-garantia.
A agência reguladora informou ainda que a taxa de outorga de 2017 não foi paga e, por isso, foi aberto um processo de cobrança no último dia 11. Desde maio, está em cobrança também a parcela de outorga variável, calculada sobre as receitas da concessão. Há ainda obras em atraso no terminal de passageiros e no pátio de aeronaves.
A inadimplência da concessionária estava num ponto tal que a agência poderia abrir um processo de caducidade (cassação) da concessão. O anúncio da devoluçao, feito no dia 28 de julho, interrompeu esse processo. Agora, a concessionária continuará administrando o aeroporto numa espécie de “operação padrão”, sem precisar realizar os investimentos ou pagar taxas de outorgas devidos após a devolução. Mas o estoque anterior continuará a ser cobrado.
As dificuldades da concessionária já estavam evidentes ao final do primeiro trimestre. No relatório de auditoria referente a esse período, a consultoria Ernst & Young já falava na perspectiva de renegociação da dívida com os bancos.
Dúvidas. A grande dúvida dos bancos está na falta de clareza sobre como se dará a devolução do terminal e o novo leilão. Numa lei aprovada em junho passado, foi aberta a possibilidade de devolução da concessão. Mas a lei ainda precisa ser regulamentada. E o detalhamento sobre como se dará o processo ainda está em estudo.
Em nota, Viracopos informou que o “pagamento da dívida será tratado no bojo da indenização (como desconto) à que a concessionária terá direito”. Mas o consórcio não tem certeza sobre o processo. “Como a Lei 13.448 ainda não foi regulamentada, será preciso aguardar pela definição dos critérios de cálculo da mesma”, informou a concessionária, ao citar a indenização e respectivos descontos.
A concessionária informou que investiu R$ 3 bilhões no aeroporto e que, portanto, tem esse valor a receber. Segundo fontes de mercado, porém, não está definido se a indenização será calculada com base no que foi efetivamente gasto ou com base no valor econômico das melhorias realizadas. O cálculo da indenização é a principal dúvida em todo o processo.
Outra questão é quem ressarcirá os antigos concessionários. Em tese, seria o governo. Mas, como não há caixa, é bastante provável que a conta seja repassada ao novo concessionário, que assumiria os pagamentos como parte da outorga. Esse é outro ponto de atenção dos credores. Isso porque eles têm a opção de continuar na operação.
No mercado, a avaliação é que, ao ser relicitado, o aeroporto será um negócio melhor do que é hoje. Ao fazer a relicitação, o governo precisará reestudar as condições da concessão do aeroporto. Portanto, as premissas da concessão serão ajustadas ao atual quadro econômico, bem pior do que o da época da concessão. Outra vantagem é que os investimentos mais pesados já foram realizados.
Procurado, o BNDES informou ainda que não pode dar detalhes sobre a situação de clientes específicos. Itaú BBA, Bradesco e Banco do Brasil afirmaram que não se pronunciarão sobre o caso. Já o banco Haitong não respondeu o pedido de esclarecimento da reportagem.
Aeroportos têm pouco movimento
Aportes bilionários, dívidas e baixa demanda geram crise no setor; em alguns casos, ociosidade chega a 80%
Renée Pereira
A demanda de passageiros está quase 30% abaixo do projetado nos leilões. Em 2016, foram 32 milhões a menos que o previsto nos seis aeroportos concedidos, causando perda de receitas para as empresas.
A combinação entre investimentos bilionários, dívida alta e uma expectativa de demanda que nem de longe se confirmou jogou os aeroportos licitados entre 2011 e 2013 numa grave crise financeira. Levantamento feito pelo Estado, com base em informações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mostra que, em média, a demanda de passageiros está quase 30% abaixo do que era projetado na época dos leilões. Na prática, isso representa uma frustração de demanda que somava 32 milhões de passageiros no ano passado e que não viraram receita para as concessionárias.
Hoje os seis aeroportos concedidos – Guarulhos (SP), Viracopos (SP), Brasília (DF), Galeão (RJ), Confins (MG) e Natal (RN) – convivem com a ociosidade. Em alguns casos, esse indicador beira os 80%, como é o caso de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Em Viracopos, Confins e Galeão, a ociosidade supera os 50%. O cenário é difícil até mesmo nos dois maiores aeroportos do País. Em Guarulhos, os investimentos elevaram a capacidade para 50 milhões de passageiros, mas a movimentação foi de 36 milhões no ano passado; em Brasília, a capacidade é de 25 milhões para 18 milhões de passageiros.
Especialistas afirmam que o cenário atual de demanda não era esperado nem no pior dos mundos. Na época dos leilões, o ambiente era de forte crescimento da economia, com as famílias viajando cada vez mais de avião dentro e fora do País. Pouco tempo antes, o Brasil havia enfrentado o chamado “caos aéreo”, que revelou a carência de investimentos no setor e abriu espaço para a entrada da iniciativa privada. Nos leilões, o governo aproveitou para exigir pesadas quantias para modernizar e ampliar os terminais nacionais, e os investidores entraram no jogo, oferecendo ágios bilionários pelas concessões.
“Ninguém podia imaginar que o buraco seria tão grande”, afirma Allemander Pereira, exdiretor da Anac. Com a forte recessão econômica, a curva projetada foi ficando mais distante da realidade vivida nos aeroportos. As receitas caíram e provocaram um descompasso entre o caixa e as obrigações das concessionárias.
Nos leilões de licitação, os vencedores jogaram alto para arrematar as concessões e aceitaram pagar outorgas bilionárias ao governo. Teve ágio de até 673%, como foi o caso do Aeroporto de Brasília. No Galeão, a oferta foi menor, de 294%, mas o grupo se comprometeu a pagar R$ 19 bilhões, divididos em 24 anos, à União. Mas, com a mudança do cenário econômico, esses compromissos ficaram pesados demais para o tamanho do negócio. O resultado foi que quase todas as concessionárias atrasaram o pagamento da outorga por falta de caixa. Outras preferiram fazer o depósito em juízo até que algumas pendências sejam avaliadas pela Anac.
Devolução. Nesse ambiente, a concessionária de Viracopos, cuja movimentação está quase 40% abaixo da projetada na época do leilão, iniciou um processo de relicitação da concessão, ou seja, vai devolver o ativo ao governo para ser leiloado novamente. Com um sócio envolvido na Lava Jato e em recuperação judicial (a UTC), outro em recuperação extrajudicial (a Triunfo) e com problemas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a concessionária ficou sem caixa para pagar a outorga de 2016, de R$ 178 milhões – a Anac executou o seguro-garantia do aeroporto.
O Aeroporto do Galeão passou pelos mesmos problemas, mas conseguiu resolver os percalços, pelo menos, por enquanto. A chinesa HNA, sócia da Azul, comprou a participação da Odebrecht no grupo e aportou recursos para honrar os compromissos atrasados. A concessionária ficou alguns meses sem pagar a outorga de mais R$ 1 bilhão ao governo, mas acertou um acordo para o reperfilamento das parcelas. “Os sócios colocaram mais dinheiro e, assim, vamos antecipar o pagamento da outorga, que soma mais de R$ 3,5 bilhões”, afirma o presidente da Riogaleão, Luiz Rocha.
Fonte: O Estado de S. Paulo