Por Eduardo Campos | De Brasília
O Banco CENTRAL (BC) se reuniu com todas as corretoras de câmbio independentes do Brasil na semana passada para lançar um novo sistema de fiscalização remoto, que buscará evitar fraudes e melhorar os controles no mercado de câmbio, principalmente nas transações de baixo valor que têm trâmites simplificados.
É por esse tipo de operação que transita parte do dinheiro dos famigerados doleiros, contratos fraudulentos de exportações e importação e remessas fictícias. Segundo um diretor de corretora há um “verdadeiro ralo de dólares” fora do radar do BC.
Capitaneado pelo Departamento de Supervisão de Conduta do Banco CENTRAL (Decon), o sistema batizado de Siscom vai reunir informações captadas junto às corretoras e cruzar com os dados disponíveis dentro do BC. Segundo um dos participantes da reunião, a ideia do BC é averiguar a aderência às praticas de prevenção à lavagem de dinheiro. Encontrados indícios de crimes, os casos serão remetidos para Ministério Público e Polícia Federal.
Procurado, o BC aponta, por meio de sua assessoria, que teve uma reunião de rotina com o mercado. Mas o Valor apurou que é fato que o BC está aperfeiçoando os mecanismos de supervisão e que a implantação do Siscom trará ganhos substanciais para o trabalho de fiscalização. O BC fez grandes investimentos em tecnologia para supervisionar remotamente o mercado, com desenvolvimento de softwares e metodologias próprios não só no câmbio, mas todo o sistema financeiro.
As corretoras já receberam os primeiros formulários a serem preenchidos e têm de devolver ao BC dentro de 30 dias. Conforme os resultados, a corretora terá um tipo de classificação, vermelho, amarelo ou verde. O BC poderá devolver os formulários pedindo correções e, no limite, destacar uma equipe para ir averiguar in loco o que está acontecendo.
Para mostrar que sabe do que está falando, durante a reunião com as corretoras o representante do BC listou diversos casos de fraudes ou atividades suspeitas já captados pela instituição. Entre eles, o uso de CPFs de pessoas mortas em operações de câmbio, diversos CPFs atrelados a um único endereço ou a terrenos baldios (aqui o BC lançou mão do Google Maps para fazer a verificação) e também disse ter ciência do mercado de listas de clientes.
Algumas corretoras estariam comprando a lista de clientes de grandes varejistas para ter acesso aos CPFs que são utilizados para documentar as operações. Teve exemplo até da compra de uma lista de órgão de governo.
Segundo um dos participantes, foi interessante ver o BC listando as fraudes, mas sem citar nomes, para representantes de corretoras que se utilizam dessas práticas. “Tem gente suando frio para preencher esses formulários”, disse um participante.
Pela norma, operações até o equivalente a US$ 10 mil são feitas pelo câmbio simplificado. Basta o CPF do comprador para fechar o câmbio. Até o fim de julho esse limite era de US$ 3 mil. Então, para fazer um grande volume de câmbio sem precisar de registro detalhado, se recorre a esse uso sistemático de CPFs, a chamada “bilhetagem”. “Como pode um correspondente cambial em Manaus girar US$ 5 milhões por dia? Não tem como! É quase tudo “blackmarket””, disse um corretor.
“É uma iniciativa louvável e que já veio tarde”, disse um sócio de corretora que esteve na reunião.
A iniciativa parece positiva, mas parece chegar um tanto atrasada. Apenas no âmbito da Operação Lava-Jato, as cifra envolvidas seriam de US$ 10 bilhões movimentados pelo doleiro Alberto Youssef e pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que estão sendo investigados. O Valor de ontem trouxe matéria com relatório indicando que uma única corretora, a TOV, com sede em São Paulo, foi destinatária de ao menos R$ 283 milhões repassados por empresas investigadas no âmbito da operação.
Segundo esse sócio de corretora, o mercado cresceu muito com diversas casas de turismo se transformando em corretoras de câmbio, mesmo sem ter a capacidade de cumprir com todas as exigências como capital, registro e compliance.
Se a iniciativa vingar, será possível ver mudanças até mesmo nas estatísticas de viagens internacionais, que batem recordes sucessivos. Parte do mercado desconfia faz tempo que nem todos os US$ 40 bilhões gastos do começo de 2013 até julho de 2014 sejam apenas compras em Miami e vinhos no Chile.
Fonte: Valor Econômico