Na véspera da nova reunião para decidir sobre os juros, instituição está com a credibilidade ameaçada por projeções equivocadas
A última vez que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou dentro da meta perseguida pelo governo, de 4,5% ao ano, foi em 2009. De lá para cá, a carestia ganhou força, passou a flertar com o limite máximo de tolerância permitido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 6,5% ao ano.
Durante o governo Dilma Rousseff, a situação agravou-se. Em três anos e meio, o IPCA rompeu o teto da meta em 11 ocasiões. Significa dizer que praticamente um terço da gestão de Dilma foi marcada pelo descumprimento dos limites de tolerância com a inflação.
O mercado financeiro aposta que o IPCA ainda romperá o teto da meta outras cinco vezes, chegando ao pico em setembro, a um mês das eleições presidenciais de outubro. Nos meses seguintes, segundo os analistas, recuará apenas levemente, encerrando o ano com alta de 6,46% – a maior carestia desde 2011.
O BC é mais otimista. As previsões divulgadas no último relatório de inflação da instituição dão conta de que o IPCA seguirá em desaceleração pelos próximos dois anos, até encostar em 5%, em junho de 2016. Mas, a julgar pela média de erros do passado recente, é pouco provável que esse número seja alcançado.
Nos últimos cinco anos, as previsões da autoridade monetária ficaram, em média, 1,2 ponto percentual abaixo da inflação registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na avaliação de Tony Volpon, diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International, em Nova York, “é problemático” quando o BC erra sempre para um lado. “Porque esses erros, além de prejudicarem a credibilidade da instituição, passam para o mercado a percepção de que o BC está muito otimista”, assinala.
Caso o padrão de erro volte a se repetir, de 1,2 ponto percentual para cima, é mais provável que o IPCA encoste em 6,2% no segundo trimestre de 2016, do que caia para 5%, como prevê o BC. A economista Monica Baumgarten de Bolle, do Instituto Casa das Garças, diz que “nem no mais otimista dos cenários traçados” a inflação cairá para 5% em dois anos. “Este ano, o IPCA deve encostar nos 6,5% ao ano, e, em 2015, independentemente de quem assumir o governo, já está certo que haverá necessidade de reajustar diversos preços administrados, como combustíveis, energia e tarifas de transporte”, emenda.
Esses itens correspondem a praticamente um terço do IPCA. Dessa forma, observa o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, diante da necessidade de as correções nos administrados se estenderem até 2016, o cenário traçado é de preços em alta pelo menos pelos próximos dois anos. “Hoje, ainda há muita inflação contratada para o futuro”, resume.
Monica de Bolle classifica 2015 como “um ano tenebroso para a inflação” e diz que, nas contas dela, há uma grande chance de o IPCA estourar o teto da meta, o que não acontece desde 2003. Diante desse cenário, a economista crava: “Mesmo que 2016 seja um ano bem menos difícil para a inflação, o que não parece ser o caso, não há possibilidade de o IPCA cair para 5% até junho, como o BC tem previsto. Na verdade, não consigo crer que seja uma projeção realista”, assinala.
Torcida
O BC se ampara em cálculos que levam em conta projeções dos analistas de bancos e corretoras para o comportamento futuro da taxaSelic e da cotação do dólar, o chamado cenário de mercado. O problema é que, dos dois itens, um deve ajudar e o outro atrapalhar no combate à inflação.
Dados da mais recente pesquisa Focus projetam que o dólar, hoje em R$ 2,22, chegará a R$ 2,50 até dezembro de 2015. Caso se confirme, a disparada do câmbio deverá elevar o preço de produtos importados, tornando, por tabela, a inflação mais alta no Brasil.
Já o que deve ajudar a reduzir o custo de vida no país é a retomada da alta de juro, a partir de 2015. O mercado financeiro aposta que o Comitê de política monetária (Copom) manterá a Selic inalterada em 11% ao ano na reunião que começa na terça-feira e que acabará na quarta. O mesmo deve ocorrer nas reuniões de setembro, outubro e dezembro. Mas, a partir de janeiro, com o novo governo, os juros voltariam a subir, independentemente de quem vença as eleições de outubro. As apostas são de duas altas de 0,25 ponto e uma terceira de 0,5 ponto, levando a Selic, já em abril de 2015, a 12% ao ano. Mesmo assim, a inflação seguiria persistentemente acima de 6% durante todo o ano que vem, de acordo com projeções BES Investiment bank.
Destruição
De Nova York, o economista-chefe do Barclays para a América Latina, Marcelo Salomon, chamou a atenção para o fraco crescimento do PIB, estimado por ele em 0,7% este ano e 1,0%, em 2015. Enquanto isso, a inflação deve rodar na casa dos 6,4% durante o mesmo período. “É uma situação bastante delicada, porque, numa economia com inflação alta e crescimento medíocre, não há horizonte algum de planejamento. No fim, tudo o que esse processo produz é a destruição das riquezas de famílias e empresas, e isso é algo ao qual todos os brasileiros deveriam estar atentos hoje”, observa.
Fonte: Correio Braziliense