Por Juliano Basile | De Brasília
O Banco Central está travando uma perseguição de “gato e rato” contra o Oboé, um dos maiores grupos financeiros do Ceará, responsável por um rombo de R$ 280 milhões a partir de uma série de fraudes, como contratos fictícios, contabilização maquiada e caixa 2. O presidente do BC, Alexandre Tombini, já decretou tanto a intervenção quanto a liquidação extrajudicial do grupo, mas o Tribunal de Justiça do Ceará permitiu a continuidade das operações das empresas Oboé que atuam nos setores de concessão de crédito, investimentos, financiamentos, distribuição de títulos e valores mobiliários, na prestação de serviços de tecnologia e até na área de educação.
José Newton Lopes de Freitas, o principal acionista, é considerado pelo BC como o “Madoff cearense”. Além de ser bastante influente em seu Estado, onde conseguiu reverter na Justiça local atos do BC contra as suas empresas, Newton Freitas possui contatos políticos fortes, capazes de levar José Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão, para dar aula inaugural do curso de ciências contábeis na Faculdade Oboé.
Para garantir a intervenção do grupo, o BC decidiu levar o caso Oboé para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, onde espera uma decisão que impeça as empresas desse novo Madoff a operar no mercado.
De acordo com informações do processo que correm em segredo de Justiça, um dia antes da intervenção, em 14 de setembro de 2011, o patrimônio líquido negativo do grupo era de R$ 175,8 milhões. “Esse montante só foi atingido em função da prática deliberada e sistemática de fraudes, em montantes altamente relevantes, envolvendo tanto o seu ativo, através da criação de ativos fictícios, quanto o seu passivo, através da omissão de obrigações da contabilidade”, diz um relatório da comissão de inquérito do BC que consta dos autos do processo na Justiça. Segundo esse documento, quase 90% do saldo de operações de crédito das empresas “era decorrente de operações fictícias”. “Além disso, mais de 40% de suas obrigações decorrentes da emissão de RDBs (recibos de depósitos bancários) e títulos que, por conta das características irregulares, vieram a ser equiparados a esses, eram omitidos da contabilidade.”
O BC verificou ainda que, entre 2010 e 2011, a Oboé Crédito, Financiamento e Investimento “criou contratos sem qualquer tipo de vinculação a direitos creditórios existentes, aplicando simplesmente regras de criação capazes de tornar a fraude mais difícil de ser revelada”. A criação desses contratos aumentou artificialmente os ativos contábeis da empresa. “Os efeitos básicos perseguidos pelos ex-administradores por esse tipo de fraude são os mesmos das demais fraudes relacionadas à criação de ativos fictícios”, constatou o BC. “Aumentar o ativo contábil e permitir o desvio de recursos da instituição”, completou, referindo-se ao caixa 2.
De acordo com a comissão de inquérito do BC, as fraudes foram administradas por um sistema em que as tarefas eram divididas entre diferentes áreas do grupo. Havia a separação entre geração de contratos, fluxo financeiro e contabilização. Isso tornava mais difícil “que os funcionários envolvidos tivessem a noção de todas as implicações relacionadas às tarefas que lhes foram confiadas”. Era, portanto, um sistema organizado de irregularidades. “O efeito potencial básico da maior parte dessas fraudes é a geração de recursos financeiros não contabilizados, ou seja, ‘caixa 2’, livres assim de qualquer rastreamento por parte do BC, auditoria externa ou qualquer outro agente externo”, concluiu a comissão de inquérito.
O Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, procurou o advogado Sidney Guerra Reginaldo, que representa a Oboé, e Newton Freitas, pelos telefones de sua casa, de seu trabalho e na faculdade onde atua, mas não obteve retorno.
Apesar de o grupo não ser conhecido nacionalmente, o caso foi considerado pelo BC como a maior fraude já apurada nas liquidações e intervenções em termos de ilícitos praticados, de atuação em mercados marginais e na criação de ativos fictícios. Se se tratasse de um banco, seria um escândalo maior do que o que levou a intervenções no PanAmericano ou no Cruzeiro do Sul. Daí a comparação com Bernard Madoff, o operador de Wall Street que foi preso em 2009 depois que a Justiça dos Estados Unidos constatou que ele utilizava o dinheiro que entrava de investidores novos para pagar aqueles clientes que faziam resgates. A pirâmide financeira de Madoff foi conhecida após o aumento dos resgates, com o advento da crise americana de 2008, e ele foi preso menos de um ano depois de descobertas as irregularidades. As operações fictícias do Oboé são conhecidas pelo BC desde 2011, mas a Justiça do Ceará acaba de permitir o retorno das atividades do grupo.
Em 10 de dezembro, o desembargador Jucid Peixoto do Amaral, do Tribunal de Justiça do Ceará, deu provimento a um recurso dos advogados do Oboé para revogar a falência do grupo e determinar o prosseguimento da atividade das empresas pelos administradores que o BC considerou inaptos para exercer essas atividades.
No Ceará, o caso sequer seria julgado pelo desembargador Jucid, pois foi sorteado para outro integrante do TJ, o desembargador Francisco Aurélio Pontes. Mas os advogados da Oboé alegaram que Jucid havia decidido uma ação de despejo contra uma das empresas do grupo e, por isso, estaria “prevento” – responsável por analisar outros processos envolvendo o mesmo réu. Essa alegação foi acolhida e, em seguida, Jucid autorizou a retomada do controle do Oboé pelos administradores e a continuidade das operações pelo grupo.
Para evitar que isso aconteça, o BC utilizou uma decisão da 17ª Vara Federal de Fortaleza que interditou Newton Freitas de atuar no Sistema Financeiro e restabeleceu a liquidação extrajudicial do grupo. A Procuradoria do BC decidiu levar o caso ao STJ, onde pediu liminar para suspender os efeitos da decisão do desembargador Jucid. Por sorteio, o caso caiu no STJ com o ministro Benedito Gonçalves. Na noite de segunda-feira, ele indeferiu a liminar. O BC vai recorrer ao presidente do STJ, ministro Felix Fischer.
Fonte: Valor Econômico