O Brasil é o único país entre os principais mercados emergentes que ainda mantém intervenções diárias no mercado de câmbio. Enquanto muitos países encerraram seus programas, como a Rússia e a Colômbia (que, no caso, comprava dólares), ou reduziram a atuação desde 2013, como Índia e Indonésia, o Banco CENTRAL renovou o plano de oferta diária de swaps cambiais até o fim de março. A autoridade monetária reduziu à metade o volume de contratos nos leilões (de 4 mil para 2 mil) e tem feito a rolagem completa dos contratos que estão vencendo.
O estoque do Banco CENTRAL de instrumentos cambiais já soma US$ 110,16 bilhões. De maio de 2013, quando o Federal Reserve (Fed, oBanco CENTRAL americano) sinalizou pela primeira vez a intenção de retirar os estímulos monetários, a outubro de 2014, data em que encerrou efetivamente as compras de títulos, o BC brasileiro ofertou US$ 101,3 bilhões por meio de swaps cambiais, instrumentos que equivalem à venda de moeda americana no mercado futuro.
Trata-se da maior oferta de dólares entre 16 mercados emergentes, segundo levantamento da Nomura Securities. Apesar do tamanho significativo, o real esteve entre as dez moedas emergentes que mais perderam valor em relação ao dólar no ano passado, com desvalorização de 11,38%.
Para o diretor executivo e chefe de pesquisas para mercados emergentes das Américas da Nomura Securities, Tony Volpon, o propósito do programa de intervenção não era buscar um nível para a taxa de câmbio, mas garantir a estabilidade financeira, oferecendo hedge para os agentes de mercado.
Na América Latina, o Brasil e o Peru são praticamente os únicos dos principais países que mantêm uma atuação sistemática no câmbio. O México retomou, no fim do ano passado, o programa de leilões de dólares para ajudar a ancorar o peso mexicano, diante da forte queda dos preços do petróleo.
A autoridade monetária mexicana, no entanto, só realizará os leilões de dólares quando o peso cair mais que 1,5% em relação à taxa do pregão anterior.
Com reservas internacionais de US$ 65 bilhões, o Peru tem uma economia muito dolarizada e vem atuando sistematicamente no câmbio. A autoridade vende certificados de depósitos atrelados ao dólar, além ter elevado o requerimento para reservas em dólar para os bancos, a fim de conter os empréstimos na moeda americana e as operações com derivativos cambiais.
Não há, no entanto, a obrigatoriedade da venda diária.
No caso do real, o movimento de correção mais forte sugere que a taxa de câmbio mostrava um desalinhamento na comparação com outras divisas em relação a seus fundamentos, diz Gustavo Rangel, economista-chefe para América Latina do ING. Ele lembra que a alta dos juros ajudou a atrair recursos para o Brasil e apreciou o câmbio nos últimos anos até 2013.
Rangel espera que a desvalorização do real prossiga, uma vez que o câmbio ainda está longe da sua taxa de equilíbrio – o que está refletido no aumento do déficit em conta corrente, que representava 4,05% do PIB nos 12 meses encerrados em novembro (último dado disponível). “Se o BC não tivesse atuado no câmbio, a desvalorização do real teria sido maior.” Para ele, o BC terá de encerrar o programa de intervenção no câmbio para ajustar as contas externas.
“O programa de intervenção pode dar um suporte para o real no curto prazo, mas a sua eficácia é menor no médio prazo.” A queda do preço das commodities e o crescimento fraco da economia, segundo Rangel, ajudariam a reduzir a pressão inflacionária e permitiriam ao BC diminuir as intervenções no câmbio.
Volpon, da Nomura, também vê espaço para o BC interromper os leilões da “ração diária” em março e deixar o câmbio buscar a taxa de equilíbrio, atuando apenas em momentos de menor liquidez no mercado. “O BC não deveria tentar impedir o ajuste do câmbio, se ele já garantiu a oferta de hedge para assegurar a estabilidade financeira”, afirma.
Segundo Volpon, os riscos do cenário externo foram atenuados.
“O processo de ajuste da política monetária nos Estados Unidos deve ser gradual e já foi bastante antecipado. Além disso, uma alta da taxa de juros nos EUA deve ser compensada em parte por medidas de estímulo monetário do Banco CENTRAL Europeu e do Banco do Japão, que ajudarão a liquidez global a não cair de maneira drástica.” Do lado doméstico, o ajuste fiscal prometido pela nova equipe econômica poderia ajudar a reduzir a pressão de desvalorização do câmbio.
Mesmo assim, o diretor da Nomura destaca que a tendência ainda é de desvalorização do real, uma vez que todos os países atrelados a commodities têm sofrido com a queda do preço das matérias-primas. Além disso, fatores domésticos, como o baixo crescimento e inflação alta, contribuem para reduzir a atração de recursos para o país.
O câmbio é um importante instrumento nos mercados emergentes para tentar melhorar a competitividade no curto prazo, diante do efeito deflacionário da queda dos preços das commodities, destaca a estrategista de câmbio para América Latina do Royal bank of Scotland (RBS), Flavia Cattan-Naslausky.
No caso brasileiro, no entanto, ela pondera que a inflação alta, próxima do teto da meta, dificulta a interrupção do programa de intervenção no câmbio. Além disso, não se espera uma mudança do fluxo cambial, que fechou 2014 negativo em US$ 9,827 bilhões, o que pode trazer novas pressões de alta do dólar. “Acho difícil o BC encerrar o programa de intervenção em março. Há muita incerteza no mercado externo e fatores domésticos, como a inflação alta e crescimento baixo, trazem um viés de moeda mais fraca”, afirma Flavia.
Já o estrategista-chefe para a América Latina do Standard Chartered, Italo Lombardi, não descarta o fim do programa de swaps cambiais em março. Segundo ele, o atual modelo de intervenção foi relevante em 2014 quando os mercados estavam sob estresse por causa das eleições.
“Não duvido que em março o BC reduza a oferta de swaps para US$ 50 milhões ou mesmo para zero. No ano passado fazia sentido esse modelo de intervenção, já que os mercados estavam muito nervosos devido às eleições. Agora começamos o ano com dólar forte no mundo. O BC poderia evitar um aumento do estoque de swaps, mas ainda gerenciando o câmbio via rolagens”, diz.
De acordo com Lombardi, o fato de o Brasil manter ainda hoje o maior programa de venda de dólares do mundo emergente reflete a “tradição intervencionista” que o país adotou a partir de 2010. “Isso cria distorções, deixa o arcabouço regulatório pouco estável e abre portas para especulação.” (Colaborou José de Castro)
Fonte: Valor Econômico