Brasil volta a ter a maior taxa de juros do mundo

    Banco Central eleva a Selic em 0,5 ponto percentual, para 9,5% ao ano. Ao repetir o comunicado de alta pela quarta vez, Copom deixa as portas abertas para encerrar o ciclo de aumento em novembro, a 9,75%, evitando desgastes para o governo em 2014

    DECO BANCILLON

    O Brasil voltou a ostentar os maiores juros básicos do mundo. Ontem, o Banco Central (BC) decidiu elevar em 0,5 ponto percentual a Selic, que passa para 9,5% ao ano, a partir de hoje. Descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, o país tem uma taxa de 3,5%, ficando à frente de economias como Chile, China e Índia no ranking global. O reajuste foi o quinto consecutivo desde abril, quando os juros estavam na mínima histórica de 7,25%. A maioria dos analistas espera que o Comitê de Política Monetaria (Copom) encerre o atual ciclo de alta na última reunião de 2013, marcada para ofim de novembro, quando a Selic teria um aumento de mais 0,25 ponto e chegaria a 9,75%.

    Doutor em economia pela Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, e diretor de Assuntos Internacionais do BC durante o governo Lula, Alexandre Schwartsman observa que falta “espaço político” para taxas acima de 10%, tendo em vista a aproximação da corrida eleitoral de 2014, em que a presidente Dilma Rousseff deve buscar um segundo mandato. “Esse é um governo que não tem muito para mostrar no campo econômico. Então, o juro de um dígito é, certamente, uma bandeira política que ele não quer perder de forma alguma”, afirma.

    Meta
    Jenkiel Santos, economista-chefe do Espirito Santo Investment Bank, também acredita que o BC promoverá apenas mais uma alta de 0,25 ponto. Ontem, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que, em setembro, a variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 12 meses foi de 5,86%, ficando abaixo de 6% pela primeira vez neste ano. Para Santos, com a inflação nesse patamar, o BC se sente confortável para encerrar o ciclo de alta quando os juros básicos chegarem a 9,75%. Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco, tem o mesmo entendimento. Ele ressalva, no entanto, que prefere esperar a ata da reunião do Copom, que será divulgada na próxima semana, para avaliar os próximos passos da autoridade monetária.

    Para Shwartsman, o BC está dando sinais de que abandonou o compromisso de perseguir o centro da meta de inflação, de 4,5%. Nos últimos três anos, o IPCA manteve-se sempre acima desse patamar e a tendência é que isso continue acontecendo nos próximos dois anos, mesmo com a alta dos juros. Segundo projeções do próprio BC, a possibilidade de o índice romper o teto de 6,5% no ano que vem é de 29%. Em junho, no relatório trimestral de inflação, a instituição calculava que a chance era de apenas 25%.

    Apesar de esperada, a elevação da Selic surpreendeu pela forma como foi comunicada ao mercado. Na nota em que anunciou a medida, o Copom repetiu, pela quarta vez consecutiva, que “a decisão contribuirá para colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista no próximo ano”. Para alguns analistas, a manutenção desse trecho sinaliza que as portas para novas altas de juros ainda continuam abertas. “Isso indica pelo menos mais uma alta da Selic em novembro”, analisa a economista Tatiana Pinheiro, do Santander. Ela chama a atenção, no entanto, para as declarações dadas na semana passada pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, durante um evento em Portugal.

    Na ocasião, o comandante do BC se mostrou mais tranquilo quanto à trajetória de queda da inflação e sinalizou que estava menos preocupado com o impacto da alta do dólar sobre os preços no Brasil. “Nossa avaliação é que o discurso do Tombini foi muito contundente no sentido de indicar que o plano de voo do BC é de uma redução da velocidade do ritmo de ajuste dos juros”, assinala Tatiana.

    Para o economista Gilberto Braga, professor de Finanças do Insper, as taxas continuarão subindo até ficar claro que a inflação vai caminhar para o centro da meta. “A inflação alta se nutre da própria inflação. Então, para contê-la, é preciso que o médico (BC) ministre várias doses do mesmo medicamento, sempre de forma homeopática”, observa. “Ao que tudo indica, o Brasil vai ter que continuar elevando os juros, e eu não me surpreenderia se a Selic ultrapassasse os 10% ao ano, apesar de esse ser um cenário muito ruim para a economia”, diz.

    O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, hoje economista-chefe do Banco J. Safra, diz que, ao contrário do que sugere o dado divulgado ontem pelo IBGE, “a tendência é de taxas maiores para a inflação”. Nos cálculos dele, o IPCA deve chegar a 5,90% até o fim do ano, tendo em vista a possibilidade de o governo autorizar um novo reajuste nos preços da gasolina.

    Em 2014, disse, os preços passariam a acumular variações ainda maiores, chegando a ultrapassar novamente os 6% já a partir de julho. “Em termos de política monetária, não há opções fáceis. Ou o BC sobe os juros ou a inflação foge ao controle”, arremata. Kawall prevê mais três elevações na Selic, uma de 0,5 ponto, em 27 de novembro, e outras duas de 0,25 ponto em 15 de janeiro e 26 de fevereiro de 2014.

    Piora
    Além de ocupar a primeira posição no ranking global dos juros reais, o Brasil ostenta ainda uma das maiores taxas de inflação dos países do G20 (grupo das 20 economias mais ricas) e deverá ter, no ano que vem, o menor crescimento entre os integrantes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A projeção é do Fundo Monetário Internacional (FMI), que também chama a atenção para a piora da situação fiscal do país — motivo que levou a agência de classificação de risco Moody’s a rever, na semana passada, de “positiva” para “estável” a perspectiva para a nota de crédito do governo brasileiro.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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