Por Roberta Costa | De São Paulo
Apesar de ter sido uma surpresa, o corte de juros na China, anunciado na sexta, envia uma mensagem clara aos agentes: a economia global realmente anda mais lentamente do que se poderia supor há poucos meses.
O mercado avaliava ser mais provável uma redução das taxas dos compulsórios (RRR) no país, já que esse instrumento é visto como uma medida de flexibilização mais forte.
De todo modo, ainda que as reduções nas taxas de empréstimo e depósito não signifiquem, automaticamente, que os juros de mercado – aplicados pelo sistema paralelo, o “shadow banking” e que atende a maior parte da população – caiam na mesma proporção e que os maiores beneficiários sejam as maiores empresas estatais, o governo chinês manda um recado contundente de que não pode ficar à espera de uma reação enquanto avança com suas reformas.
Há a necessidade de se fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mesmo que isso inspire uma visão contraditória: desalavancar a economia para evitar bolhas de ativos e “segurá-la” ao mesmo tempo.
É cedo para dizer que o viés da política monetária na China mudou e novos cortes virão.
Mas, dadas as medidas de apoio à liquidez que o BC chinês vem realizando ao longo do ano (a conta-gotas, é verdade), é crível que o governo não pare por aí, ainda mais em um contexto de decepção com a recuperação econômica global e com o fato de que, a despeito de várias gestões sobre o mercado de crédito (especialmente o imobiliário), de maneira geral os empréstimos têm se mantido estáveis nos últimos anos.
A Capital Economics destaca que “os principais constrangimentos aos empréstimos na China são os limites quantitativos sobre a oferta [cotas para bancos menores, proporção de empréstimos em relação aos depósitos, etc] e não a demanda”.
Como tal, “o impacto [do corte de juros] sobre o crescimento do PIB será pequeno”. O principal efeito será o de melhorar a situação financeira das grandes empresas mas, ao mesmo tempo, as margens líquidas dos bancos serão espremidas, diz a consultoria.
Na medida em que se aproxima a mudança de viés da política monetária dos Estados Unidos com todos os riscos a ela atrelados, o resto do mundo, como fez a China, precisa se preparar.
Os riscos negativos vindos da demanda mundial, somados ao ambiente de preços cadentes de commodities têm implicações importantes para os países desenvolvidos e emergentes: a desaceleração da inflação para territórios próximos da deflação e a perda de competitividade nas exportações.
Se os 22 “primary dealers” que operam com o mercado em nome do Federal Reserve estiverem certos, a taxa de juros americana começará a subir no segundo trimestre do ano que vem, encerrando o ano na faixa de 0,75% a 1%. Ao fim de 2016, estaria entre 2,0% e 2,25%, e em 2017, no intervalo de 3,0% a 3,25%. É o que mostrou a última pesquisa do Federal Reserve de Nova York.
Portanto, estamos bem próximos do maior evento previsto para o ano que vem.
Mas tudo depende do comportamento dos dois objetivos do BC americano: o máximo emprego e a meta de inflação de 2%. E esse é o dilema que pautará o Fed, como de resto, o mundo nos próximos meses.
A taxa de desemprego deve continuar a cair nos EUA em linha (ou mais rápido) do que as projeções do Fomc, mas a inflação também. Mesmo com todas as peças sobre a mesa, não será fácil montar o quebra-cabeça de 2015.
Fonte: Valor Econômico