Concorrência em cartões é investigada no Cade

    Por Silvia Rosa | De São Paulo

    A abertura do mercado de meios de pagamento, que teve início em 2010 com a determinação do fim da exclusividade entre bandeiras e credenciadoras, ainda esbarra em amarras comerciais. A dificuldade imposta por grandes bancos e empresas ligadas, responsáveis por capturar as transações com cartões, tem impedido o avanço da concorrência, especialmente no segmento de antecipação de recebíveis para lojistas.

    O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu um inquérito administrativo para investigar a recusa de Banco do Brasil e Bradesco, sócios da Cielo, e Itaú Unibanco, que controla a Rede, em processar e descontar a carteira de recebíveis de credenciadoras concorrentes menores, como a Stone, First Data, Global Payments e PagSeguro.

    As credenciadoras pagam os comerciantes pelas vendas realizadas por meio de cartão de crédito em até 30 dias. É comum no mercado que os lojistas usem esse fluxo de pagamentos para negociar linhas de crédito com bancos, na forma de antecipação dos recebíveis.

    Apesar de o Banco Central ter editado regra em fevereiro de 2015, em que determina que todos os bancos deveriam ser capazes de descontar o fluxo de recebíveis de qualquer credenciadora, na prática, ressalta o Cade no processo, há indícios de que as grandes instituições estariam colocando empecilhos para processar a agenda de recebíveis (cronograma de recebimentos) dos estabelecimentos comerciais que trabalham com as credenciadoras menores, sendo favorecidas empresas do mesmo grupo e dificultando a antecipação dos pagamentos.

    Também, aponta o Cade, as credenciadoras líderes, controladas pelos grandes bancos, estariam dificultando o acesso a suas carteiras de recebíveis por parte dos bancos de menor porte, impedindo-os de participar da antecipação de pagamentos. A entrega da agenda de recebíveis é feita mediante acordo bilateral entre a credenciadora e o banco que detém o “domicílio” dos pagamentos.

    Além disso, o banco que recebe o pagamento dos lojistas estaria “travando” o fluxo de recebíveis, tirando a possibilidade de os estabelecimentos buscarem taxas melhores para antecipação em outras instituições.

    O mercado de credenciamento no Brasil, que conta com 13 empresas, é ainda muito concentrado. Cielo, Rede e GetNet (a credenciadora do Santander), detêm, juntas, mais de 90% de participação. “A gente entende que a evolução desse mercado é o fim da trava bancária. Isso tende a trazer novos participantes para a indústria de crédito, contribuindo para reduzir os custos”, diz Augusto Lins, diretor da Stone e um dos coordenadores da Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos e Fintechs (Abipag).

    Acordos firmados pelo Cade com a Cielo e a Rede neste ano já mostram um avanço em relação à regulação do BC no que diz respeito a aumentar a concorrência no mercado de meios de pagamento. No início de abril, o orgão de defesa econômica assinou um acordo com o Itaú e a Hipercard, colocando um prazo para o fim da exclusividade entre a bandeira e a credenciadora Rede, do mesmo grupo econômico. No fim de junho, outro acordo foi fechado, com a Elo, bandeira do BB e Bradesco, obrigando o fim da exclusividade com a Cielo, dos mesmos acionistas.

    Segundo o Cade, relações de exclusividade entre bandeiras e credenciadoras impedem a captura, em um mesmo equipamento, de todas as bandeiras de cartões que atuam no mercado. Na prática, isso obriga os lojistas a contratarem as credenciadoras ligadas a essas bandeiras. “A Abecs [Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços] sempre apoiou a não existência da exclusividade. A única exceção deveria ser para as bandeiras recém-lançadas”, diz Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abecs.

    O acordo relativo à bandeira Hipercard e o Itaú tem duração de dois anos – ao longo dos quais foram fixados prazos para a captura de outras credenciadoras pela Hipercard, que desde 30 de abril já deveria estar aberta para homologação.

    No termo fechado com a Elo foram estabelecidas a abertura de quatro janelas para habilitação e homologação de credenciadoras, que deve começar em 31 de julho e ir até março de 2018. Para a primeira janela, a Elo já homologou a Rede e a GetNet. “Já estamos trabalhando na homologação de várias outras credenciadoras”, conta Eduardo Chedid, presidente da Elo.

    A Abecs espera que a chamada “plena adquirência” – quando uma única credenciadora captura, processa e liquida a compra com cartão – aconteça neste ano.

    Outro ponto alvo se refere ao uso de equipamentos de captura de transações com cartões chamados de Pinpad. Segundo o Cade, cerca de 55% das transações com cartões no Brasil são capturadas por meio da maquininha de POS, que aceita somente as bandeiras homologadas pela adquirente dona do equipamento, enquanto que aproximadamente 40% são capturadas por meio de Pinpad, que são multiadquirentes, isto é, permitem a inclusão de várias credenciadoras e devem aceitar todos os cartões vinculados a essas empresas. O restante engloba comércio eletrônico, mobile, dentre outros.

    Segundo o Cade, Cielo e Rede estavam limitando a inclusão das chaves criptográficas de concorrentes, habilitando máquinas apenas para essas duas credenciadoras. Agora vão ter de abrir suas máquinas para outras empresas que oferecerem tratamento recíproco.

    O BB afirmou, por meio de sua assessoria, que forneceu todos os esclarecimentos solicitados pelo Cade e que adota práticas bancárias baseadas na livre opção dos seus clientes para o consumo de produtos e serviços.

    Procurados, Cielo, Rede, Itaú Unibanco e Bradesco não fizeram comentários até o fechamento desta edição. O BC informou, por meio de sua assessoria, que as instituições autorizadas a funcionar estão inseridas no seu universo fiscalizável, sujeitas, portanto, às penalidades previstas na Medida Provisória nº 784, em relação aos eventuais descumprimentos de norma da autarquia ou do Conselho Monetário Nacional (CMN).

    Contexto

    Apesar de o Banco Central ter definido que a partir de 24 de março deste ano todas as máquinas deveriam estar preparadas para aceitar o pagamento com cartão de todas as bandeiras, levando em conta que elas já tiveram tempo para se adaptar à regra que proibia a exclusividade – que é de 2015 -, a autoridade não definiu um prazo final para que isso esteja plenamente implementado no mercado. A circular do BC, publicada no fim do ano passado, menciona apenas que as bandeiras deveriam estar aptas a iniciar os procedimentos de homologação para novos participantes a partir de março.

    Em relação à antecipação de recebíveis, a partir de 4 de setembro, será obrigatório o registro das transações com cartões na Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), que passará a centralizar a liquidação dessas operações. A informação sobre o fluxo de recebíveis, contudo, continuará sendo detida pelas credenciadoras.

    Segundo a CIP, a entrega dessa agenda é feita mediante um acordo bilateral entre a credenciadora e o banco que detém o “domicílio” dos pagamentos. Os credenciadores não são obrigados a enviar, segundo a CIP, as agendas, visto não haver regulamentação que os obrigue. “Precisaria que o mercado se coordenasse para que isso fosse possível”, afirma Cassio Damasceno, gerente de negócios da CIP.

    Fonte: Valor Econômico

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