Thiago Moreira: Considerações sobre a retomada do crescimento econômico

    Está cada vez mais claro que uma eventual retomada no crescimento do PIB brasileiro em 2017, ainda que mínima, será primordialmente explicada por fatores externos. Resultados satisfatórios nos últimos meses, com destaque para recuperação da produção industrial, se tornaram possíveis graças à expansão na demanda externa. Em contrapartida, a demanda interna, composta pelo consumo privado, consumo do governo e investimentos, nem sequer interrompeu a trajetória descendente. Além destes tópicos conjunturais, quero aqui brevemente destacar um importante aspecto estrutural relativo ao processo de enfraquecimento do grau de encadeamento produtivo, acelerado ao longo do último ano.

    As exportações brasileiras vêm reagindo frente a um melhor momento da economia mundial e, por conseguinte, do comércio internacional. Séries mensais elaboradas pelo Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis indicam que, de janeiro a abril de 2017, as importações globais cresceram 4,2% em relação ao mesmo período do ano passado. A título de comparação, esta mesma taxa calculada em 2016 era de apenas 0,8%.

    Além do crescimento mais robusto de importantes economias avançadas, tais como EUA e Japão, a expansão das economias emergentes nos últimos meses, principalmente asiáticas e latino-americanas, vem chamando atenção. Se de janeiro a abril de 2016, as importações asiáticas cresciam, em termos interanuais, apenas 0,3%, em 2017 a expansão neste mesmo período já foi de 12,8%. É evidente que as importações asiáticas foram alavancadas pelo melhor desempenho da economia chinesa, que já dá sinais de que deverá crescer acima de 6,5% em 2017. Ainda dentre as emergentes, vale ressaltar que as importações da própria América Latina, outro destino importante das exportações brasileiras, também mostraram importante recuperação. A taxa interanual de crescimento de janeiro a abril passou de -3,8% em 2016 para 4,0% em 2017.

    Não apenas os segmentos produtores das commodities, tradicionalmente favorecidos pelo aquecimento do comércio internacional puxado pelos asiáticos, mas também segmentos industriais importantes vêm sendo beneficiados. A Pesquisa Mensal da Indústria divulgada pelo IBGE mostra que de janeiro a maio a produção da indústria de transformação cresceu 1,3%, já descontados os efeitos sazonais. Na segmentação por categoria de uso verifica-se que este resultado está calcado nos desempenhos dos segmentos produtores de bens de capital e duráveis de consumo, cujas expansões foram de 9,9% e 9,3%, respectivamente.

    Nesta mesma base de comparação, as demais categorias, de bens intermediários e não duráveis de consumo, registraram retrações de -0,1% e -2,6%, respectivamente. As séries mensais de volume das exportações disponibilizadas pela Funcex, também desagregadas nas categorias de uso, corroboram a importância da demanda externa para os resultados alcançados. Ambas exportações de bens de capital e duráveis de consumo cresceram surpreendentes 23% entre janeiro e maio. Já as exportações de bens intermediários cresceram significativamente menos, 5,7%, e dos não duráveis de consumo registraram -2,4%.

    Ainda que uma recuperação da indústria apoiada em bens de consumo e de capital possa, em princípio, sugerir crescimento do consumo privado e do investimento, a demanda doméstica seguiu se deteriorando nos últimos meses. Dados da Serasa Experian mostram que de janeiro a abril o consumo privado e o investimento seguiram praticamente estagnados, enquanto o consumo do governo registrou queda de 1,3%.

    Resultados satisfatórios, como a recuperação da produção industrial, se devem à expansão da demanda externa

    Portanto, estão, no mínimo, incompletas as análises que conferem os créditos da recente recuperação da indústria ao êxito da política econômica, calcada na suposição de que a demanda voltaria a crescer como consequência “natural” do resgate da confiança a partir do ajuste fiscal, considerados imprescindíveis para a queda na Taxa Básica de Juros. A política econômica atual não atacou as raízes fundamentais da recessão econômica brasileira, qual seja: a crise de endividamento de famílias e empresas não financeiras.

    A redução nos Juros básicos, embora contribua, é insuficiente para o necessário processo de desalavancagem financeira de famílias cujos membros continuam desempregados, e de empresas, que mesmo rebaixando preços, não conseguem alavancar suas vendas. Na realidade, cortes no consumo e no investimento públicos, priorizados pela atual política econômica, estão deprimindo ainda mais a já enfraquecida demanda doméstica.

    De todo modo, não se pode negar que o atual governo vem contando com o “fator sorte”. Além dos fatores climáticos extremamente favoráveis, que viabilizaram safras agrícolas recordes e contribuíram para uma significativa desaceleração da inflação de alimentos nos últimos meses, a retomada do comércio mundial estimula o crescimento da produção agropecuária, da extrativa mineral e da indústria de transformação. Como importante desdobramento desta conjuntura, o governo comemora o expressivo superávit comercial acumulado no primeiro semestre, de US$ 36,3 bilhões, 53,2% acima do saldo obtido no mesmo período em 2016.

    Por fim, gostaria de destacar um aspecto de caráter mais estrutural e que diz respeito ao enfraquecimento no poder de alavancagem da produção de bens finais sobre a produção industrial como um todo. A retração na produção dos bens intermediários (insumos), a despeito do expressivo crescimento na produção dos bens de capital e consumo durável, é bastante emblemática deste enfraquecimento.

    Em outras palavras, a produção destes bens localizados na ponta final das cadeias produtivas não está conseguindo estimular a produção de insumos associados a etapas produtivas precedentes. Este resultado decorre, em larga escala, do crescimento no peso de insumos importados, que minimiza os efeitos multiplicadores propagados nas cadeias produtivas. Este processo, diretamente vinculado à dinâmica da desindustrialização e que ocorre na economia brasileira há quase uma década, parece ter se acentuado no último ano.

    Os últimos dados das Contas Nacionais Trimestrais sinalizam uma consistente e preocupante recuperação do volume de importações de março de 2016 a março de 2017 (9,8%), ao mesmo tempo em que os principais itens da demanda interna sofreram retrações (-3,7% dos investimentos e -1,9% do consumo privado). Estas transformações deverão limitar o potencial de expansão do PIB quando a demanda doméstica voltar efetivamente a crescer.

    Thiago de Moraes Moreira é mestre em economia pela UFRJ, professor de Macroeconomia do Corecon/RJ e membro do Grupo Reindustralização.

    Fonte: Valor Econômico

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