Confiança fragilizada

    O governo bate cabeça em perigosa encruzilhada econômica, sem saber o rumo a tomar. Com a inflação batendo à porta, o Produto Interno Bruto (soma das riquezas produzidas pelo país) praticamente estacionado, os gastos públicos mantidos em escala ascendente e com qualidade ruim, o mercado de trabalho em franco desaquecimento e por aí afora, persiste nos erros de sempre e cada vez mais compromete a própria credibilidade, amplificando os riscos.

     

    Apenas na semana passada, dois desatinos vieram à tona. O primeiro, o pacote de bondades lançado para incentivar o consumo numa sociedade endividada, espécie de presente eleitoral de grego. O segundo, a revelação de que as pedaladas contábeis para driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nem sequer poupam a área social. Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, FGTS, abono salarial, subsídios agrícolas, nada escapa da credibilidade criativa.

     

    Trata-se de mais do mesmo. Antes, o governo já havia manobrado com o abono salarial do PIS/Pasep e encolhido o primeiro lote de devoluções do Imposto de Renda. Sem contar o abatimento, da meta de superavit primário – economia obrigatória para o pagamento dos juros da dívida -, de cerca de R$ 45 bilhões, por causa dos gastos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

     

    À parte a contradição de reter recursos do trabalhador ao mesmo tempo em que estimula o cidadão a ir às compras, desperta a desconfiança das agências internacionais de classificação de risco, que podem dar nova puxada para baixo na nota do país. E o mercado é realista: maior o risco, mais caro o dinheiro. Portanto, mais escassos os investimentos necessários ao crescimento.

     

    Esse círculo, além de vicioso, é pernicioso. Superavit primário é ferramenta essencial à saúde da nação. Como um dos pilares da economia, não pode ser fragilizado. Há suspeitas de que bancos públicos federais estejam sendo onerados com o pagamento de contas cujos valores apenas posteriormente são repassados pelo Tesouro, num truque para reduzir a pressão sobre o passivo do Executivo.

     

    Ainda assim, o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, o Siafi, revela que, nos sete primeiros meses deste ano, a dívida dos restos a pagar de todos os setores da União era 16,1% maior do que no mesmo período de 2013. Em valores nominais, R$ 163,2 bilhões, contra R$ 140,5 bilhões, respectivamente. Sinal de deterioração na saúde das contas públicas, apesar do emprego sistemático de artimanhas de toda espécie.

     

    O faz de conta não é instrumento de governança ou administração. Além de não resolver os problemas, contamina ainda mais o ambiente. Várias recomendações vêm sendo feitas para que os órgãos de controle entrem em ação. De fato, seria boa medida de transparência o Tribunal de Contas da União (TCU) passar um pente-fino nas mecanismos governistas voltados para o cumprimento da meta de superavit primário. Nem que seja para restabelecer a confiança.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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