Corte de R$ 44 bi para resgatar a confiança

    Governo promete reduzir gastos e economizar 1,9% do PIB a fim de convencer os investidores de que as contas públicas estão sob controle e, assim, evitar o rebaixamento do país. Especialistas veem com cautela o compromisso de arrocho fiscal em ano eleitoral

    VICTOR MARTINS
    » ROSANA HESSEL

    Em um esforço para recuperar a credibilidade da política fiscal e evitar o rebaixamento do país às vésperas da eleição na qual a presidente Dilma Rousseff tentará um novo mandato, o governo anunciou, ontem, um corte de R$ 44 bilhões no Orçamento deste ano. Prometeu, ainda, entregar um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 99 bilhões.

    Apesar de mais plausível que os 2,3% previstos em lei, essa meta foi vista com cautela pelos mercados. Todos querem ver os resultados mensais para comprovar se os números anunciados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, são consistentes ou estão maquiados, como se tornou recorrente. A cautela faz sentido. Dos R$ 44 bilhões contingenciados, R$ 13,5 bilhões se referem a reestimativas de despesas, incluindo as da Previdência Social. Outros R$ 13,3 bilhões são de emendas de parlamentares, que nunca são liberadas totalmente, R$ 10,2 bilhões de ministérios e R$ 7 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inflado por gastos de todos os tipos.

    Por isso, o economista-chefe do Banco Barclays, Marcelo Salomon, ressaltou que, apesar do discurso positivo do governo, mantém a previsão de superavit primário de 1,3%. No entender dele, além de o contingenciamento ser limitado, as receitas estão superestimadas, já que o crescimento da economia será menor que o previsto pela Fazenda, de 2,5%. Nas contas dele, na melhor das hipóteses, o PIB avançará 1,9% em 2014. Os mais pessimistas falam em incremento entre 1% e 1,5% na atividade. O governo também está mais otimista em relação à inflação. A perspectiva é de um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 5,3%, ante os 5,9% apontados pelo mercado.

    Na opinião de Mantega, as previsões do governo são “realistas” e a meta de superavit permitirá a queda da relação entre a dívida e o PIB. É com esse discurso que o governo tentará reverter o mau humor dos investidores e reconquistar a confiança perdida nos últimos anos, devido às falhas na “nova matriz econômica” defendida por Dilma, que provocou estragos no país. Hoje, a Fazenda promove uma conferência com a imprensa e analistas estrangeiros para detalhar os cortes e explicar como fará para alcançar a meta fiscal. Na segunda-feira, Mantega conversará com 10 renomados economistas em uma reunião fechada. O objetivo é mostrar que acabou a contabilidade criativa e que a transparência deve prevalecer.

    Sinais de vento
    Entre os ministérios, o maior ajuste recaiu sobre a Defesa: R$ 3,5 bilhões. O segundo maior corte ficou para a Fazenda, R$ 1,5 bilhão. Questionado sobre quais seriam os cortes na sua pasta, Mantega informou que os desconhecia. “Eu não sei”, afirmou. “Mas posso dizer que, no próximo ano, não vai ter nem água nem luz aqui. Mas é a vida. Nós temos que fazer sacrifícios para reduzir as despesas de custeio. Temos que dar o exemplo”, disse, em tom de brincadeira.

    Poucos, porém, acreditam nesse discurso espartano. Em 2011, o governo anunciou contingenciamento, mas os gastos aumentaram muito mais que a inflação. Esse quadro se repetiu em 2012 e no ano passado. “Ou seja, o que se vê são cortes de vento”, assinalou o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. Mas não é só. A meta de superavit primário deste ano, se cumprida integralmente, será a menor desde 1999. Os especialistas ainda veem outro agravante. Por ser um ano de eleição, dificilmente estados e municípios darão a contribuição esperada à economia para o pagamento de juros da dívida. Dos R$ 99 bilhões prometidos, R$ 80,8 bilhões terão de ser poupados pela União e R$ 18,2 bilhões, pelos demais entes federativos.

    Mantega negou, contudo, que a redução da meta de superavit dos governos regionais tenha relação com as eleições. O objetivo a ser perseguido por estados e municípios caiu de 1% para 0,35% do PIB. “O ano eleitoral não pesou. Se pesasse, nós faríamos um primário menor para poder gastar mais”, afirmou. Mas ele admitiu que receitas extraordinárias, além dos R$ 13,5 bilhões previstos, podem ajudar o governo a atingir a meta.

    Para o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, o governo efetivamente conseguirá cortar, do total anunciado, R$ 30 bilhões. “É bom lembrar que o decreto de contingenciamento é uma peça bastante frágil”, assinalou. “De qualquer forma, a reestruturação orçamentária sinaliza que o governo reconhece que é preciso adotar uma política fiscal mais contracionista e isso poderá livrar o país do rebaixamento pelas agências de riscos”, frisou.

    Pelas contas de Salto, o primário de 2013, descontandas as receitas extraordinárias, foi de 0,6% do PIB. Para 2014, ele espera um resultado mais próximo de 1,5%, no cenário mais otimista, e de 1,3%, no mais pessimista. Segundo ele, tirando os R$ 13,5 bilhões de receitas extraordinárias e os R$ 23,9 bilhões de dividendos previstos para o ano, o primário efetivo ficará entre 0,6% e 0,8% do PIB.

    » “Presidenta Lula”

    A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, se confundiu, durante a apresentação dos cortes no Orçamento da União, e chamou Dilma Rousseff de “presidenta Lula”. Questionada sobre os concursos públicos previstos para este ano, disse: “Já fizemos uma proposta bastante enxuta de concursos e espero que, ao fim do primeiro mandato da presidenta Lula, o saldo seja positivo”, afirmou. Diante do constrangimento, foi corrigida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Há um incômodo no governo com a defesa de empresários e petistas para que o candidato nas eleições seja Lula e não Dilma. 

     

    Fonte: Correio Braziliense

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