Mudança contábil leva União a ficar com patrimônio negativo

    Mudanças contábeis feitas pelo Tesouro Nacional no Balanço Geral da União (BGU) no ano passado revelam que o patrimônio líquido (PL) do país está em situação muito pior que a imaginada. O número foi negativo em R$ 1,413 trilhão em 2015. Em 2014, o valor era positivo em R$ 118,095 bilhões.

    A reversão ocorreu, principalmente, por causa de uma alteração de entendimento no Ministério da Fazenda sobre como contabilizar créditos tributários. Antes, aqueles com exigibilidade suspensa (por causa de discussões judiciais, por exemplo) eram tratados como ativos do Tesouro. Mas o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que eles fossem desconsiderados.

    Diante do parecer do TCU, foi criado em julho de 2015 um grupo de trabalho na Fazenda que acabou concordando com a interpretação do órgão de controle – o que fez o então ministro da Fazenda Joaquim Levy aprovar a mudança contábil em novembro. Isso levou à exclusão de cerca de R$ 1 trilhão de créditos tributários do ativo da União.

    Além do não reconhecimento dos créditos tributários com exigibilidade suspensa, afetaram o PL o reconhecimento de perdas de créditos a receber de Estados e municípios por causa de lei complementar que troca o indexador da dívida dos entes com a União (de R$ 60,3 bilhões), além do aumento das provisões para ações judiciais com probabilidade de perda (de R$ 75,5 bilhões). Também afetaram negativamente o patrimônio líquido de 2015 o pagamento das chamadas “pedaladas fiscais” e a desvalorização dos ativos de empresas públicas.

    O ajuste no patrimônio líquido está no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2017, encaminhado recentemente pelo governo ao Congresso Nacional. Além da recomendação do TCU, o governo aplica, desde 2008, mudanças contábeis no BGU para atender a normas internacionais. O processo de adequação a essas regras (transição sendo feita também por Estados Unidos, França e Canadá) vai até 2021.

    O patrimônio líquido negativo é mais uma confirmação da deterioração das contas públicas, já evidente em indicadores de endividamento (como a relação dívida líquida sobre PIB e dívida bruta sobre PIB), devido à realização de superávits primários inferiores à necessidade do país. De 2014 para 2015, a relação dívida líquida sobre o PIB passou de 33,1% para 36,2%. No caso da dívida bruta, saltou de 57,2% para 66,5% do PIB.

    “Essa constatação [patrimônio líquido negativo em 2015] confirma o que vem sendo demonstrado nos demais indicadores do governo, que mostram elevação do endividamento à luz dos resultados fiscais não suficientes nos últimos anos para estabilizar a dívida pública”, explicou um técnico do Tesouro Nacional. “Não é esse indicador que trará realidade nova a respeito do aspecto que tenho que fazer resultado primário para pagar dívida pública”, disse.

    O Tesouro Nacional destacou ainda que registrar um patrimônio líquido negativo não é uma particularidade do Brasil. O país, com patrimônio líquido correspondente a -20% do PIB, está melhor ou em patamar semelhante – de acordo com os técnicos – ao registrado por outras economias que adotam o mesmo padrão contábil, ou estão no processo de adequação, como Estados Unidos (-101%), Reino Unido (-105%) e Austrália (-19%). Além disso, na avaliação do Tesouro, as mudanças implementadas no balanço darão mais transparência para a análise das contas do país.

    A aplicação das regras revela como os números nos anos anteriores eram “camuflados” ao considerar como ativos itens sem perspectiva real de entrarem efetivamente no balanço – como créditos tributários em litígio. Se essas regras contábeis já fossem aplicadas no balanço, o país registraria um patrimônio negativo desde 1982. Mesmo assim, simulações do Tesouro mostram que o patrimônio líquido está se deteriorando independentemente da aplicação das regras contábeis atuais.

    O professor Istvan Kasznar, da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que a revelação sobre o patrimônio líquido negativo da União “é um dos assuntos de maior gravidade”. “O fato de estarmos nos ajustando a regras internacionais não nos exime da profunda responsabilidade sobre as contas públicas. A situação é grave. Mas é muito mais que grave, é de calamidade”, afirma.

    Para ele, a situação ocorre devido ao crescimento do passivo por meio de mais obrigações a fornecedores, por exemplo, frente a uma menor arrecadação – por meio de impostos, dividendos de estatais e obtenção de receitas com concessões, por exemplo. “Isso em português significa a quebra do Estado. Nunca, que eu tenha registro em memória, sucedeu-se um quadro desse tipo [perda substancial do patrimônio líquido da União]”, diz. Para ele, não há mais espaço para crescimento de receitas por meio de geração de impostos, por exemplo. A saída, defende, é o Estado repensar de forma profunda a maneira como gasta.

    Fonte: Valor Econômico

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