Nos governos do PT, defendeu-se a ideia de que é desnecessário mudar as regras de aposentadoria no Brasil porque o Déficit da Previdência seria coberto ou estabilizaria se a economia crescesse de forma mais rápida. De fato, entre 2005 e 2014 a economia avançou a uma média de 3,5%, bem acima da média das últimas três décadas, ajudando a estabilizar esse gasto como proporção do PIB. A realidade mostra, porém, que desde o início dos anos 80 a tendência do país tem sido crescer pouco.
Nos últimos dez anos, a economia brasileira se expandiu, em média, a 2% ao ano. Todos os cortes mostram baixo crescimento. Desde 1990, quando o país começou a mudar o modelo de crescimento – do regime de substituição de importações para o de uma economia menos fechada -, a média anual foi 2,2%; desde 1980, 2,4%. “Apenas tomando por base a história de nossos últimos 35 anos, apostar que a expansão econômica resolverá a questão da Previdência é uma cartada de alto risco”, diz Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre).
Como se sabe, o aumento da capacidade de crescimento do Brasil depende cada vez mais do avanço da produtividade. Dados do Ibre mostram que, de 1995 a 2016, a produtividade do trabalho cresceu, em média, 1% ao ano quando se leva em consideração o número de horas trabalhadas e 0,7%, quando o cálculo é feito com base na população ocupada (PO). Durante o último boom do país, de 2002 a 2010, a expansão foi, respectivamente, de 2,4% e 1,9%.
No Brasil, aposentado recebe ganho de produtividade
No período seguinte, durante os anos trágicos da gestão Dilma Rousseff, o quadro piorou bastante: entre 2010 e 2016, a produtividade do trabalho cresceu, em média, 0,3% ao ano e a da PO, – 0,1%. No triênio 2014-2016, talvez o pior da histórica econômica do Brasil, caiu, em média, 2,2% e 2,8% ao ano, respectivamente.
“Não é só o ritmo de expansão da economia que é relevante em termos previdenciários, mas também o padrão em que ele se dá. No caso do Brasil, aproxima-se o momento em que, esgotado o bônus demográfico – a fase de aumento mais veloz do grupo de pessoas em idade de trabalhar, em relação à população como um todo -, o crescimento da economia dependerá cada vez mais da elevação da produtividade”, observa Schymura.
Faz-se necessário um registro: quando a economia mundial entrou em crise, a partir de 2007 nos países ricos e de 2008 nos emergentes, analistas sérios disseram que o Brasil, por ter saído rapidamente daquela turbulência, deveria aproveitar a oportunidade para promover reformas que não só assegurassem o equilíbrio das contas públicas no longo prazo, mas também ajudassem a elevar a produtividade da economia. Já se sabia que, de tão profunda, aquela crise manteria as nações ricas com baixo crescimento durante bom tempo, pelo menos sete anos, prazo médio histórico de desalavancagem de economias que sofrem crises bancárias.
O raciocínio era que, quando saíssem daquela crise, as nações ricas voltariam mais competitivas porque a depressão os forçaria a fazer reformas em suas economias. A profecia funcionou no caso dos Estados Unidos, mas não necessariamente em toda a União Europeia, embora alguns países do bloco já apresentem bom desempenho. E o Brasil? O que fez? Nada. Na verdade, andou muito para trás no governo Dilma.
O fato é que o país precisa crescer de forma mais rápida por uma série de razões, sendo que uma delas é ajudar a enfrentar o problema do explosivo Déficit previdenciário. O problema é que as regras e costumes vigentes aqui transformam em problema o que poderia ser uma solução. Três exemplos: quando a produtividade do trabalho aumenta, há enorme pressão por reajustes reais (superiores à inflação) para quem já se aposentou; o piso da Previdência social é o salário mínimo; toda vez que o governo promove mudanças nas aposentadorias o teto dos benefícios é reajustado.
De 1995 a 2016, portanto, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o salário mínimo foi corrigido, em termos reais, em 155,68%. As aposentadorias com valores acima de um mínimo tiveram variação, também real, de 15,83% e o teto da Previdência, de 50,3%. Logo, no Brasil, os benefícios de quem não trabalha são corrigidos bem acima da taxa de produtividade da economia.
A expansão do número de benefícios, ligada à demografia e aos critérios de elegibilidade, e os aumentos reais do piso e dos benefícios acima do piso, além dos reajustes do teto, levaram as despesas da Previdência Social a saltar de 4,9% do PIB em 1997 para 8,1% em 2016. Neste ano, o Déficit está estimado em R$ 184,2 bilhões (ou 2,75% do PIB), o que, somado ao rombo dos chamados regimes próprios de previdência do funcionalismo público federal (RPPS), atinge a espantosa cifra de R$ 269,2 bilhões (4% do PIB).
“O repasse para as aposentadorias do aumento da produtividade pode neutralizar em grande parte o alívio que um ritmo maior de crescimento [do PIB] daria às contas previdenciárias”, diz Schymura, que trata do tema na próxima Carta da Conjuntura a ser divulgada pelo Ibre.
O economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e agora pesquisador do Ibre, fez simulações sobre a evolução das despesas da Previdência, caso o Congresso não aprove a reforma. No cenário otimista – crescimento anual da produtividade de 1,5% e aceleração do PIB até alta de 3,7% em 2019, seguida de queda gradual (economias avançadas crescem a taxas menores) até 2% em 2036 e 1,2% em 2060 -, a despesa previdenciária da União (excluída a dos RPPS) chegará a 8,9% do PIB em 2040 e a 9,6% do PIB em 2060, caso, nesse período, todos os benefícios, inclusive o piso, sejam corrigidos apenas pela inflação.
“Essas simulações indicam que a sustentabilidade da Previdência, num cenário sem reforma, depende da capacidade do governo de frear o crescimento real de todos os benefícios, inclusive o piso, deixando-o em zero ou perto disso durante muitas décadas”, adverte Schymura, lembrando que é improvável que qualquer governo passe tanto tempo sem dar aumento real aos benefícios previdenciários. “Mesmo que seja impossível zerar os aumentos reais, é fundamental, do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, evitar que parte substancial dos ganhos de produtividade da economia seja repassada para aposentadorias e pensões.”
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras
E-mail: cristiano.romero@valor.com.br