O novo esquema nos gabinetes tem três estágios principais. Primeiro, os servidores públicos recebem aumento de salário em até 1.300%. Depois, são demitidos com os benefícios superfaturados. Por último, voltam para a Câmara, recontratados pelos parlamentares
Levantamento do Centro de Coordenação e Documentação da Câmara, feito a pedido do Correio a partir da Lei de acesso à informação, revela a frequência nas alterações salariais dos servidores antes das demissões. Nos últimos 12 meses, foram registrados 422 casos de funcionários que tiveram vencimentos aumentados, 198 deles foram dispensados num intervalo de dois meses após o reajuste. A saída desses servidores, porém, é momentânea. Passados 90 dias, prazo estipulado pela Casa da recontratação, a maioria retorna para o mesmo gabinete com salários inferiores aos da demissão.
Lotada no gabinete do deputado Alberto Filho (PMDB-MA), a servidora Áurea Helena Oliveira Matos viu o salário passar de R$ 2.220 para R$ 10.190 em agosto do ano passado. Dois dias após o reajuste de 359%, Áurea foi demitida. Vencido o tempo legal para a recontratação, Áurea voltou para o mesmo gabinete, novamente com salário de R$ 2.220. Lá, outras duas pessoas tiveram aumento, saíram e também retornaram após três meses. Em um dos casos, o reajuste foi de 712%, de R$ 1.470 para R$ 12.940. Em conversa com o Correio, na segunda-feira da semana passada, Áurea justificou a rápida saída do gabinete para “fazer uma cirurgia”. No mesmo dia, o chefe de gabinete, Jaime Ferreira Lopes, confirmou se tratar de um “acordo” para garantir aos servidores uma indenização na demissão porque funcionários comissionados “não têm direito a indenizações trabalhistas”. Jaime prometeu ainda colocar a reportagem em contato com o deputado, mas não atendeu mais às ligações do Correio.
Regras
Ao ser exonerado, o servidor tem direito a receber a indenização referente às férias não gozadas, além de um terço de férias, tudo em cima do maior salário. Se no contracheque a remuneração é de R$ 12.940 e o servidor tem dois meses de férias acumuladas, ele recebe R$ 25.880, mais um terço de férias de R$ 4.313, chegando a um total de R$ 30 mil. Acordado com o parlamentar, três meses depois, o servidor é novamente contratado e retorna para as atividades normalmente.
No gabinete do deputado Oziel Oliveira (PDT-BA), a generosidade dos reajustes atingiu 1.300%. Com vencimento de R$ 940 em 8 de dezembro, Roseli Lima Assis teve salário acrescido para R$ 12.940, teto oferecido para secretários parlamentares na Casa. Três dias depois, a funcionária que ocupava um cargo de confiança deixou o gabinete. Nos últimos 12 meses, Oziel Oliveira repetiu a prática oito vezes. Kedma Luanda de Carvalho, exonerada em outubro após a alteração do nível salarial para R$ 12.940, retornou à Casa em fevereiro, aceitando trabalhar pela remuneração 174% inferior: R$ 4,7 mil. O Correio entrou em contato com os citados, mas eles não retornaram até o fechamento desta edição.
“Bônus por tarefas”
Deputado no sétimo mandato, Artur Bruno (PT-CE) alterou o pagamento de quatro secretários parlamentares de fevereiro a abril deste ano para o teto, de R$ 12.940. “A chefe de gabinete aumenta ou diminui o salário dos secretários de acordo com as tarefas cumpridas. Se o servidor desempenha bem as tarefas, tem aumento”, disse o deputado. Servidora dele na Casa, Joely Franco de Sousa acabou exonerada mesmo após ter recebido aumento “por desempenhar bem as tarefas do gabinete”. E foi recontratada depois porque o deputado “não conseguiu, no mercado de trabalho, outra pessoa para executar as funções” que Roseli desempenhava, como justificou o político.
Já o deputado Erivelton Santana (PSC-BA) repetiu oito vezes o esquema de aumentar o salário antes de exonerar os servidores. A prática acabou adotada até mesmo pelo presidente do Conselho de Ética da Casa, Ricardo Izar (PSD-SP). Ele alterou o salário de três servidores poucos dias antes de demiti-los. Um dos funcionários recebia R$ 1.095, mas viu a folha de pagamento ficar 12 vezes maior: R$ 12.940. “É uma forma de compensar os dias que o funcionário precisou trabalhar sem salário até que outro servidor fosse admitido”, justificou Izar. O Correio conversou com o chefe de gabinete de Erivelton Santana, Jonatas Lopes, por telefone e formalizou o pedido de entrevista com o deputado por e-mail, mas Jonatas não atendeu mais às ligações.
Fonte: Correio Braziliense