Desvalorização efetiva do real é menor e complica ajuste externo

    A mudança no patamar do dólar no mercado doméstico começa a afetar positivamente o custo de produção e os salários e pode ajudar exportadores. A “ajuda” para a economia real, contudo, pode ser menos intensa que em outros momentos porque outras moedas também estão mais competitivas e o Brasil ficou muito mais caro nos últimos anos, dizem economistas.

    A desvalorização efetiva do real em relação a uma cesta de moedas está mais fraca do que no ciclo de 2001 e 2003 quando o Brasil conseguiu fazer um importante ajuste nas suas contas com o exterior. Naquela oportunidade, mais de 60% da desvalorização nominal do câmbio se transformou em um ajuste real da taxa de câmbio. O saldo em conta corrente passou de déficit de 4,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2001 para superávit de 0,75% do PIB em 2003. 

    No atual ciclo de desvalorização cambial, por enquanto, a proporção de câmbio nominal que está se transformando em real está em torno de 50% porque a inflação brasileira “comeu” um pedaço maior da mudança nominal do câmbio. Além desse fato, as moedas de outros países também estão mais fracas com relação ao dólar, o que afeta diretamente a competitividade do Brasil em terceiros mercados e aumenta a concorrência no mercado americano. 

    Um exemplo da competição mais aguerrida pode ser medido pelo salário mínimo. No auge de sua valorização em relação a outras moedas, em janeiro de 2012, um salário mínimo comprava 347 dólares ou 270 euros. Agora em março, o salário mínimo comprava 254 dólares, 27% menos. Em relação ao euro, o poder de compra do mínimo caiu menos (12%) e na média de março permitiu comprar 235 euros. Se para as famílias brasileiras, o poder de compra caiu mais em dólares e menos em euros, para quem paga salários, o custo em dólar caiu mais, mas em euros a redução ainda é pequena,

    Para economistas ouvidos pelo Valor, o ajuste do déficit em conta corrente nesse ciclo será muito menos intenso do que foi há 10 anos e em parte essa mudança de ritmo está associada ao fato do ajuste do câmbio ser um fenômeno mundial e não apenas brasileiro. Outro elemento que pesa contra o Brasil é o fato de que no pós-crise outros países, como Alemanha, França e os próprios Estados Unidos cortaram custos, inclusive de salários, e ficaram mais competitivos, o que também aconteceu na China, mas por outras razões. Esse ajuste, já feito em outras economias, só agora começa a ser feito no Brasil e isso retarda a melhora das contas externas do país. 

    “O Brasil vai enfrentar o produto manufaturado alemão que ficou mais barato beneficiado pela queda do euro”, pondera José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Pelos cálculos do Banco CENTRAL, a taxa de câmbio efetiva medida por uma cesta de moedas, ponderada pela participação dos países e regiões nas exportações brasileiras, o real ainda estava 4% valorizado em janeiro (último dado disponível) em relação a igual mês de 2014, apesar do real, no período, ter perdido 11% do seu valor em relação ao dólar. Descontando a inflação, a moeda brasileira desvalorizou-se 3% reais em relação ao dólar. 

    “O que interessa é quanto da desvalorização nominal da moeda se transformará em real ao longo dos próximos meses”, pondera Ricardo Markwald, diretor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). O repasse da alta nominal do câmbio aos preços domésticos, diz ele, “depende em larga medida do ciclo econômico e das políticas fiscal e monetárias”. E como estamos na fase baixa do ciclo, “o repasse a preços e salários é mais difícil, sindicatos tem menos poder de barganha e o comércio não consegue repassar facilmente aos preços”, pondera. Para ele, com ajuste fiscal e juros nominais em elevação, o repasse torna-se ainda mais difícil. 

    Markwald acredita que isso tudo vai se combinar e haverá um ajuste nos preços relativos, com impacto sobre a balança comercial e a conta corrente, mas o impacto virá primeiro pelas importações e depois nas exportações em função da demanda mundial ainda fraca. “O processo será mais lento”, diz. 

    Essa também é a percepção de Mauro Schneider, economista da MCM Consultores. Ele lembra que no cenário atual, ao contrário daquele que ajudou as contas externas a partir de 2003, o mundo cresce menos, as commodities estão em queda, os preços domésticos estão subindo muito mais (para ajustar preços desalinhados) e o Brasil está em recessão. Ele pondera que a desvalorização real de 40% da moeda brasileira desde meados de 2011 (quando a taxa ficou em R$ 1,55, o menor valor) é “respeitável”, mas que vários movimentos da economia brasileira tem atrasado a reação da balança comercial. 

    A MCM está revisando suas projeções para as contas externas. Antes a consultoria esperava um superávit comercial, mas a fraqueza das exportações no início do ano já sugere resultado nulo em 2015. Por outro lado, o déficit em serviços e rendas, que tem sido crescente, pode ser um pouco menor que o esperado porque os brasileiros devem viajar menos ao exterior e as remessas de lucros e dividendos serão menores porque o lucro das empresas será menor. 

    Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que o ajuste das contas externas será mais lento, mais próximo ao que aconteceu em 1999 e mais longe do ajuste rápido e intenso de 2003. Até agora diz ele, o ajuste no câmbio real não repercutiu no volume exportado, mas em 2003 “a correção do câmbio teve papel relevante na mudança dos termos de quantum” (ver gráfico). A demanda fraca, a perda de competitividade brasileira e a redução no custo de produção e do trabalho em outros países ajudam a explicar essa reação mais lenta, diz Vale. 

    Em proporção do PIB, suas projeções indicam que o déficit em conta corrente continuará próximo a 4% do PIB esse ano. Em valores, o ajuste já vai aparecer, ao cair de US$ 91 bilhões para US$ 76 bilhões, ainda considenrando câmbio de R$ 3,15 no fim do ano. Os exportadores, diz ele, têm relatado que dólar de R$ 3,20 a R$ 3,30 já ajuda, mas é preciso que a taxa real se sustente em patamar elevado. 

    Vale espera uma reação de exportações para Estados Unidos, América Latina e África, e maiores dificuldades nos mercado europeu e asiático. “A Europa se tornou muito competitiva”, diz ele, listando tanto o ajuste de custos internos como a recente desvalorização do euro como fatores desse ganho de eficiência. “No Brasil, ao contrário, tivemos alta do custo unitário do trabalho e da energia nos últimos anos”, acrescenta. 

    Livio Ribeiro, chefe da Divisão de Estudos Econômicos do Sistema Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), faz coro e lembra que há aumentos de custo “contratados” para o setor industrial neste ano, como as tarifas de energia e água, além das medidas de ajuste fiscal que têm impacto sobre a carga tributária. “E a inflação prevista vai comer uma parte da desvalorização”, pondera ele, lembrando que em relação à cesta de moedas o real ainda está valorizado. “As moedas de China, Europa e até da Argentina andaram em relação ao dólar, não só o real”, diz. 

    Nas contas da MB Associados, o custo unitário do trabalho (medida do peso dos salários na produção de um bem) chegou a janeiro 1,7% maior, em reais, do que em janeiro do ano passado. A alta mostra um pequeno recuo, pois em novembro estava em 2,2%. Em dólares, o custo de janeiro já cai, mas só 1,6% na comparação em 12 meses.

     

    Fonte: Valor Econômico

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