Discursos de BCs globais alteram rumo dos mercados

    Escolhidas com extremo cuidado, as palavras ditas pelas autoridades monetárias há muito afetam os mercados financeiros. Agora, no entanto, isso está ainda mais nítido, depois de o poder de influência dos Bancos Centrais ter aumentado em meio a seus gigantescos programas de estímulos econômicos.

    Em várias ocasiões em 2017, as palavras das principais autoridades monetárias desencadearam reações significativas e colocaram em evidência a complicada relação entre os guardiões da política monetária e os mercados mundiais. O “Financial Times” selecionou os eventos e comentários mais notáveis do ano e como os investidores os digeriram.

    Banco do Povo da China

    Hyman Minsky é um economista americano que ganhou fama por sua teoria sobre os riscos de declínio repentino das cotações dos ativos quando há crescimento excessivo das dívidas ou do crédito. Em outubro, o presidente do Banco do Povo da China, Zhou Xiaochuan, surpreendeu muita gente quando expressou preocupação com a rapidez do aumento das dívidas corporativas e individuais. “Se formos demasiado otimistas quando a situação flui suavemente, as tensões se acumulam, o que poderia levar a uma forte correção, o que chamamos de ‘momento Minsky’. É contra isso que, particularmente, devemos nos defender”, disse Zhou – que em breve deve deixar o cargo – nos corredores do Congresso do Partido Comunista em Pequim. O Banco do Povo da China buscou, então, ativamente controlar o desenfreado setor bancário paralelo (“shadow banking”) do país, que ajudou a alimentar a economia chinesa nos últimos anos.

    Federal Reserve (Fed)

    A falta de pressões inflacionárias em tempos de baixo desemprego confundiu e preocupou as autoridades monetárias americanas neste ano. A meta de inflação do Fed (o Banco Central americano), de 2% ao ano, não é alcançada há cinco anos e o indicador favorito de inflação do Banco Central está em 1,6%. O aumento dos salários também deixou a desejar e agora está em uma taxa anual de 2,5%. Depois da reunião de política monetária do Banco Central em setembro, a presidente da instituição, Janet Yellen, disse que havia razões legítimas pelas quais a inflação havia ficado abaixo da meta no passado. Entre elas estavam a capacidade sobressalente no mercado de empregos depois da recessão, a queda nos preços das fontes de energia e a valorização do dólar.

    “Neste ano, a margem em que a inflação ficou abaixo dos 2%, quando nenhum desses fatores se aplica, está mais para um mistério”, disse Yellen. “Não vou dizer que o comitê entende claramente quais são as causas.” Em novembro, Yellen discursou na New York University. “Em cada ano, a inflação foi mais baixa do que queríamos que fosse, mas isso não foi surpreendente. Neste ano, isso é surpreendente.”

    Para alguns investidores e operadores de títulos de dívida, a ausência de inflação significa que o Fed pode muito bem pecar pelo excesso na elevação dos Juros. Uma das operações mais bem-sucedidas no mercado de bônus foi basear-se na curva de Juros plana, na qual os preços dos títulos de longo prazo se saem melhor do que os de curto prazo.

    Banco Central Europeu (BCE)

    Até quando o Banco Central Europeu vai manter seu programa de compras de ativos no valor de vários trilhões de euros? Essa foi uma das maiores dúvidas dos investidores no primeiro semestre do ano, uma vez que o forte crescimento da região do euro e o enfraquecimento dos riscos políticos alimentaram especulações de que o Banco Central poderia encolher o programa.

    Em junho, as autoridades monetárias reuniram-se em Sintra, Portugal, e indicaram, cada uma com sua própria discrição, que a era de afrouxamento monetário quantitativo se aproximava do fim. Rapidamente, os investidores surgiram com um apelido, o “pacto de Sintra”. A contribuição do presidente do BCE, Mario Draghi, mostrou ser uma das mais significativas. “Todos os sinais agora apontam para um fortalecimento e ampliação da recuperação na área do euro”, disse. “As forças deflacionárias foram substituídas por reflacionárias.” Embora Draghi tenha acrescentado várias condicionais, o tom já estava dado. O euro se valorizou, o rendimento dos bônus soberanos subiu e, apesar de autoridades do BCE terem tentado sinalizar que o mercado havia feito demasiadas interpretações sobre o discurso, o rumo já estava tomado.

    Banco da Inglaterra

    Logo depois dos comentários de Draghi em Sintra, vieram as declarações do presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney. Em junho, o comitê de política monetária do Banco Central mostrou-se dividido quanto a uma elevação dos Juros, tendo decidido mantê-los por cinco votos contra três. Na ocasião, Carney ficou do lado da manutenção. Este “ainda não era o momento” de elevar os Juros, explicou uma semana depois, destacando os receios quanto aos gastos dos consumidores e ao nível dos investimentos das empresas.

    Poucos dias depois, no entanto, ele passou a defender o argumento contrário. “Provavelmente se tornará necessário certo grau de remoção dos estímulos monetários se o dilema diante do comitê do Banco Centralcontinuar se atenuando e a decisão de política [monetária] se tornar, de forma correspondente, mais convencional”, disse no encontro em Portugal. A libra esterlina se valorizou, dando início a uma onda de alta que culminou em novembro com a elevação dos Juros, a primeira em dez anos.

    Banco do Japão

    Enquanto outros Bancos Centrais se afastavam das medidas emergenciais, o Banco do Japão passou 2017 olhando diretamente para o outro lado. Na prática, isso significou cultivar uma política de controle da curva de Juros. Os investidores, entretanto, pensaram ter detectado uma mudança de tom em novembro, quando o presidente do Banco Central, Haruhiko Kuroda, referiu-se à “taxa de reversão”, uma teoria acadêmica segundo a qual taxas de Juros baixas podem acabar prejudicando uma economia ao tornar os bancos deficitários. O presidente mencionou a teoria não apenas uma, mas duas vezes. A primeira, em discurso em Zurique, e a segunda, duas semanas depois, ao falar para o Parlamento japonês. “É uma teoria que nos ajuda a entender o formato apropriado da curva de Juros.” A reação dos mercados, que levou o iene a seu ponto mais alto em 2017, exigiu esclarecimentos do Banco do Japão e de seu presidente – a política monetária não havia mudado.

    Os investidores vêm acreditando na palavra das autoridades monetárias por enquanto. Por quanto tempo, porém, a política monetária do BC do Japão vai poder estar em sintonia com o mercado enquanto os outros Bancos Centrais estiverem em ritmo de normalização?

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

    Matéria anteriorBNDES reformula área de apoio a exportações e foca nos compradores
    Matéria seguinteStart ups ampliam sistemas de pagamento