Por Roberta Costa | De São Paulo
A divergência nas políticas monetárias entre os países desenvolvidos, refletindo estágios muito diferentes de recuperação após o estouro da crise americana, cria um enorme desafio para os mercados. No mais, países emergentes, há pouco em papel protagonista na sustentação da economia global, titubeiam – caso da China.
Nos últimos dias, vários eventos mostraram o quão díspar está o cenário: enquanto os EUA caminham para a normalização da política, o Japão e a zona do euro devem aprofundar a flexibilização. Ontem o banco central japonês manteve seu programa de compra de ativos de 60 trilhões a 70 trilhões de ienes por ano e disse que não hesitará em tomar novas medidas se a economia não se mover em linha com suas expectativas para levar a inflação à meta de 2%.
Na zona do euro, um corte da taxa de juros sobre depósitos para o terreno negativo (hoje é zero) voltou a ser cogitado com força nesta semana por meio de falas de fontes do BCE (Banco Central Europeu) à imprensa.
Mario Draghi, presidente do BCE, em discurso em Berlim ontem, disse que “este assunto [juro negativo] foi discutido na última reunião de política monetária e não há notícias novas desde então”. Também defendeu fortemente o corte de juros feito neste mês, em resposta a críticas especialmente vindas da Alemanha. Draghi refutou a ideia de que taxas baixas por um longo período são prejudiciais aos países, já que o impacto negativo sobre os poupadores é um efeito isolado. Os juros baixos, diz, são resultado da fraqueza da economia e, portanto, necessários à recuperação.
Ademais, o BCE precisa garantir que exista uma margem de segurança sobre a inflação, no sentido de proteger a economia da deflação, disse. Mas fez o contraponto de que o BCE não vê “riscos de deflação se materializando”, já que a “recuperação deve fazer com que a inflação volte gradualmente para a meta e as expectativas de longo prazo permanecem ancoradas”.
Seu diagnóstico da atividade não inspira rojões. Draghi disse que os dados recentes sugerem que a economia está ganhando força, embora “permaneça frágil, desigual e frágil, enquanto os riscos em torno das perspectivas econômicas continuam a ser o lado negativo”. “A recuperação dos empréstimos bancários na área do euro é atualmente muito fraca, tendo caído por 16 meses”, refletindo em parte o estado da economia e em outra as restrições de balanço do setor bancário, falou, exaltando a necessidade dos países em persistir nas reformas estruturais.
O discurso foi lido pelo mercado como um esforço para dirimir divisões dentro do Conselho do BCE sobre a necessidade de mais acomodação monetária. Se a inflação baixa permanecer por muito mais tempo, não se descartam medidas não convencionais no futuro.
Mas tudo vai depender, em grande medida, da postura dos EUA, que define em grande parte o que pode acontecer com as finanças globais. Depois do sufoco vivido pelo mercado entre maio e setembro, a relativa calma desde então parece um pouco desconfortável, tendo em vista o cenário global. Parece prematuro imaginar que o “tapering” (início da redução dos estímulos) está precificado e descartar novas ondas de instabilidade logo ali, à frente.
Fonte: Valor Econômico