Dólar em R$ 2,20 é outra ferramenta para evitar o descontrole dos preços

    Por Flavia Lima | De São Paulo

    Juan Jensen, da Tendências: se o câmbio ficar nos níveis atuais até dezembro, a inflação encerrará o ano mais perto de 6%

    Além da atividade fraca, o câmbio tem sido visto como o único outro vetor com força suficiente, nos próximos meses, para impedir que a trajetória da inflação rumo ao estouro do teto da meta se confirme em 2014. Nas contas do economista-chefe da Tendências Consultoria, Juan Jensen, um dólar mais próximo do atual até o fim do ano – ao redor de R$ 2,20 – reduziria sensivelmente as chances de a inflação encerrar o período acima do teto da meta, de 6,5%, como já é esperado por alguns analistas.

    Se as projeções dos economistas ouvidos pelo Valor Data se confirmarem hoje, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve ultrapassar a banda superior da meta nos 12 meses até junho. Até o fim do ano, seguindo a mediana do boletim Focus, do BancoCENTRAL, não há espaço para que o IPCA recue muito além disso, ficando em 6,46% em 2014. Ocorre que essa projeção para os preços leva em conta uma taxa de câmbio em torno de R$ 2,40 no fim do período. Assim, diz Jensen, se o câmbio continuar nos níveis atuais até dezembro, o chamado “pass-through” – o repasse cambial aos preços – terá um efeito benigno sobre o quadro inflacionário.

    Nas contas de Jensen, cada 10% de desvalorização do real gera um impacto adicional direto de 0,5 ponto no IPCA, sendo a maior parte desse efeito registrada em um período de três meses. Logo, um câmbio próximo a R$ 2,20 comparado à previsão de R$ 2,40 do mercado pode reduzir a inflação em torno de 0,5 ponto percentual. Atualmente, a Tendências projeta um IPCA de 6,3% em 2014. Dessa forma, se o câmbio se mantiver onde está, a inflação pode ficar até mesmo abaixo dos 6% em 2014. Como o viés da consultoria com relação aos preços ainda é de alta, explica Jensen, o mais provável é que o IPCA encerre o ano mais próximo de 6%, caso o cenário mais benigno do repasse cambial se confirme.

    Paulo Gala, estrategista da Fator Corretora, acha pouco provável que um câmbio mais próximo de R$ 2,20 ajude a pressionar menos os preços em 2014, contribuindo apenas com a estabilidade da inflação próxima do nível em que ela já se encontra em 12 meses, ao redor de 6,4%. Gala, contudo, não descarta que um real mais depreciado possa causar uma piora inflacionária significativa. “Se o câmbio for a R$ 2,40 já em agosto, é certo que ocorrerá uma piora nos preços e o teto da meta certamente estará ameaçado no fim do ano.”

    Nesse sentido, Jensen, da Tendências, lembra que a valorização do dólar ameaçaria as projeções para a inflação da própria autoridade monetária, feitas no último relatório de inflação. O BC projetou alta de 6,4% para o IPCA em 2014, levando em conta o chamado cenário de referência, que pressupõe uma cotação do dólar mais benigna, constante em R$ 2,25, e não em R$ 2,40, como prevê o mercado. Assim, diz Jensen, um dólar a R$ 2,40 significaria quase 7% de valorização da moeda esperada pelo BC, o que adicionaria mais 0,33 ponto ao IPCA e estouraria facilmente o teto da meta.

    Para Gala, o que chama de “déficits gêmeos”, ou a piora do saldo de transações correntes combinada à deterioração do resultado primário do governo, justificariam uma maior depreciação cambial, mas avalia que o BC deve continuar fazendo o possível para manter o câmbio nesse nível, seguindo com as intervenções no mercado via leilões de swaps. Um ajuste, diz ele, só depois das eleições.

    Para Jensen, usar o câmbio para conter os preços está funcionando, mas é remédio temporário – além de amargo, devido aos impactos negativos sobre o setor industrial. “No médio prazo, o dólar vai convergir para os seus fundamentos, se depreciando”, diz, lembrando que o real ainda deve sentir a partir de 2015 os impactos do fim da política expansionista do Federal Reserve (o Banco CENTRAL americano).

    Antes que isso aconteça, Jensen diz que outro fator terá peso relevante sobre o câmbio até o fim do ano: as eleições presidenciais. “O resultado das eleições será crucial no sentido de determinar para que lado vai o fluxo cambial e, portanto, a taxa de câmbio”, diz. Para ele, em uma eventual vitória da situação, será difícil para o BC segurar o dólar nos níveis atuais, de modo que, neste quadro, os riscos de estouro da meta continuariam elevados. De outro lado, se a oposição ganhar as eleições, provavelmente o câmbio se apreciaria ainda mais, elevando as chances de a inflação ficar abaixo de 6,5% em dezembro.

     

    Fonte: Valor Econômico

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