Dólar se fortalece e mercados começam a corrigir rumos

    A arrancada do dólar diante do euro, iene e das moedas dos países emergentes é embalada pela lógica da iminência da normalização monetária americana. Mas a economia mundial tem sido regida por acordes dissonantes – Europa e Japão vão no caminho oposto. A Europa deve buscar mais US$ 1 trilhão em estímulos e o Japão segue com seu acelerado programa para reerguer a economia e produzir inflação. Esses movimentos contraditórios podem limitar o potencial de valorização do dólar frente às moedas emergentes e suavizar temporariamente os efeitos de uma alta dos juros nos EUA.

    O potencial de valorização do dólar depende também da capacidade de os EUA puxarem o crescimento da economia mundial, tarefa para a qual hoje não encontra muitos parceiros. O pulso recente da indústria de economias importantes revelou fraqueza preocupante.

    Enquanto que o indicador (PMI) para a China registrou estabilidade, o do Reino Unido indicou o menor ritmo em 17 meses, o da Índia o menor em 9 meses e o da zona do euro, o menor em 14 meses. O fôlego da recuperação europeia se perdeu e até a Alemanha foi atingida, com um recuo das atividades industriais que não se via há 15 meses.

    O Fundo Monetário Internacional vai rebaixar suas projeções de crescimento global e a diretora-gerente, Christine Lagarde, advertiu ontem que um período de atividade medíocre cobre de sombras o futuro. Empurrados pelo dólar forte e pela flacidez da economia global, os preços das commodities estão em baixa. A cotação do petróleo caiu ontem para US$ 92,44 o barril (tipo Brent), a menor em 28 meses.

    Economias emergentes importantes, como as do Brasil e Rússia, ainda estão desacelerando.

    A China, que sustenta ainda taxa vibrante de expansão, perto de 7,5% – mas bem menor do que a de antes da crise de 2008 – é, de todo modo, incapaz de dar um estímulo adicional à economia global.

    Assim, pelo lado da economia real, o impulso externo à recuperação americana tende a ser nulo, dado o ritmo claudicante do comércio internacional, reforçado pela valorização do dólar. Além disso, dólar forte e commodities em baixa têm impacto deflacionário que não pode ser desprezado quando o Fed caminha para elevar juros. O núcleo do índice de gastos pessoais de consumo, observado de perto pelo Fed, caiu em agosto para 1,47% e recua desde maio.

    Os mercados financeiros exibem há algum tempo um otimismo não traduzido pelos fundamentos econômicos. Os preços dos ativos estão superavaliados e o dos riscos, claramente subavaliados. Com as quedas recentes nas bolsas nos países desenvolvidos, uma correção de rumos parece ter se iniciado. Recuos recentes dos rendimentos dos títulos do Tesouro de 10 anos e dos Bunds alemães revelam nova busca por refúgio e prenunciam nova onda de reavaliação dos ativos, que poderá ou não ser turbulenta.

    Como há movimentos em direções opostas da política monetária nos países desenvolvidos, as consequências da gradual retirada de liquidez nos EUA para os países emergentes podem ser amortecidas. A valorização do dólar é confrontada pelo fluxo de recursos em direção – e não em fuga -das economias emergentes. A estimativa do Instituto de Finanças Internacional, que reúne os maiores bancos internacionais, sobre esse fluxo aumentou em 2014 para US$ 1,16 trilhão, cifra que deverá se manter em 2015. Nela estão incluídos investimentos diretos e em portfólio.

    Tomando como exemplo o Brasil, nota-se que os investimentos externos diretos mostraram grande estabilidade desde 2009, na casa dos US$ 60 bilhões anuais mesmo agora, com a economia em retração. Os investimentos especulativos ou de curto prazo continuam sendo atraídos pelos retornos altos obtidos, apesar da volatilidade cambial recente desestimular operações de arbitragem como o “carry trade”. E a valorização do dólar não refletiu fluxos líquidos negativos de divisas – até o fim de setembro há ingresso líquido de dólares.

    É certo que há o risco de tudo desandar se o ciclo de alta de juros nos EUA for mais rápido ou intenso que o esperado, probabilidade nada desprezível. Mas o fato da recuperação global ser muito lenta e de a maior parte dos países ter hoje menor capacidade de crescimento potencial que antes da crise de 2008 sugere que há chances de a liquidez global continuar suficientemente folgada por muito mais tempo do que se imagina.

     

    Fonte: Valor Econômico

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