Eleições presidenciais e a plataforma econômica

    Por Luiz Fernando de Paula

    Este artigo analisa a plataforma econômica dos principais candidatos presidenciais. Para tanto, examino brevemente as perspectivas recentes da economia brasileira e avalio a plataforma dos candidatos.

    Quanto às perspectivas da economia, há sinais de um certo esgotamento do crescimento puxado pelo consumo, em função da desaceleração na renda, do impacto dos juros elevados sobre serviço da dívida e do comprometimento da renda das famílias. Uma questão central é que os estímulos dados à demanda “vazaram” para o exterior, em função da persistente apreciação da taxa de câmbio, de modo que a indústria não se beneficiou do crescimento do mercado interno, dando origem a um processo de “desindustrialização prematura”.

    Nossa avaliação é que a desaceleração econômica recente foi resultado de uma política econômica confusa e mal coordenada e ainda de um conjunto de fatores: ameaça de aprofundamento da crise do euro, desaceleração econômica mundial em 2011/12; declínio no crescimento do consumo, atrofia do setor manufatureiro, etc. A adoção de uma política fiscal anticíclica se justificava face ao baixo desempenho da economia, mas veio atrasada e privilegiando isenções fiscais ao invés de gastos públicos. Para completar, não foi comunicada de forma adequada: o governo prometeu que cumpriria integralmente a meta de superávit primário em 2012, mas acabou utilizando artifícios contábeis para alcançá-la.

    Não importa o próximo governante, a economia brasileira não deve retomar rapidamente a rota de crescimento

    Há que se ressaltar que houve ganhos sociais importantes nos últimos anos, devido em parte aos efeitos dos ganhos reais do salário mínimo, com evidente melhoria no padrão de vida da população e na concentração de renda.

    O desafio para o próximo governo será combinar maior crescimento econômico com equidade social. Contudo, a incorporação social não deve se dar apenas pela renda (via consumo), mas também por meio do acesso aos serviços públicos de qualidade (educação e saúde). A sociedade brasileira impôs suas preferências, tal como expresso nas últimas eleições e em manifestações populares: continuidade do processo de inclusão social e provimento de serviços públicos em “padrão Fifa”.

    Analisemos agora as plataformas dos candidatos, ainda que não tenham definido formalmente seus programas. Nos concentraremos em Aécio Neves e Dilma Rousseff, por entendermos não haver muita diferença de Eduardo Campos em relação a Aécio, com exceção do seu compromisso de não fazer alteração na legislação trabalhista.

    Aécio se apresenta como herdeiro de Fernando Henrique Cardoso, e sua plataforma econômica parece incluir uma política macro convencional – concedendo independência ao Banco CENTRAL (BC) – com uma gestão econômica que inclui inflação no centro da meta, superávits primários elevados (cerca de 3% do PIB) e taxa de câmbio flutuante; redução do papel do Estado na economia e concentração de suas atividades nas áreas sociais; maior abertura da economia; redução no papel do BNDES no financiamento da economia; política industrial menos ativa; manutenção da política de valorização do salário mínimo mas desvinculando as transferências previdenciárias do mesmo; e, reforma trabalhista com flexibilização do mercado de trabalho.

    A plataforma sugere uma combinação de choque de oferta com políticas de restrição de demanda. Tal como no período do Plano Real, o objetivo é forçar o setor industrial a aumentar sua produtividade via competição externa. Há dúvidas quanto aos efeitos da tal política sobre a continuidade do processo de desindustrialização, mas essa parece que não seria uma preocupação do governo, já que seu objetivo seria ter um setor industrial mais competitivo, ainda que enxuto.

    Quanto a Dilma, é difícil avaliar sua plataforma desconsiderando seu primeiro mandato, que teve uma estratégia confusa e vacilante. Acredito que não será um simples “mais do mesmo”, mas tampouco haverá mudanças radicais. Possivelmente teríamos políticas monetária e fiscal ortodoxas, mas não tão austeras em relação a Aécio, com superávits primários da ordem de 2,0% e gradualismo na busca da meta de inflação. A vinda de um novo ministro, possivelmente mais “market-friendly”, favoreceria em tese a melhoria na credibilidade da autoridade econômica. Haveria uma redução no endividamento do Tesouro para financiar o BNDES, busca de maior transparência fiscal, mas o governo não daria independência ao BC. A política industrial deverá continuar ativa. Quanto ao salário mínimo não deverá haver uma desvinculação das transferências previdenciárias, mas alguma mudança na regra de reajuste do salário (PIB per capita mais taxa de inflação). Enfim, a aposta parece ser que o crescimento viria pelo deslanche dos investimentos em infraestrutura combinado com algum crescimento no consumo.

    Há contradições na plataforma dos candidatos: a combinação da regra atual de reajuste do salário mínimo com políticas mais austeras indica que Aécio daria com uma mão e tiraria com a outra; em Dilma, a combinação de política macroeconômica ortodoxa com política industrial ativa teria, de novo, resultados pouco efetivos.

    A combinação de baixo crescimento com demandas pela melhoria nos serviços públicos tornou a eleição disputada e polarizada entre Dilma e Aécio. Este se favorece do (parcial) esquecimento por parte da população do governo de seu mentor (FHC), marcado pelo sucesso na estabilização de preços, mas também por crises externas, crise do apagão, etc.

    Dada a opção por políticas mais ou menos ortodoxa pelos candidatos não creio que haverá uma mudança maior na política cambial, buscando-se uma taxa de câmbio mais competitiva, o que é preocupante dado que o déficit em transações correntes está ao redor de 3,5% do PIB. O contexto de baixo crescimento tem empurrado a pauta econômica em uma direção mais conservadora. A não ser que o cenário internacional surpreenda positivamente, não acredito, qualquer que seja o próximo governante, que a economia brasileira retome rapidamente a rota de maior crescimento.

    Luiz Fernando de Paula é professor titular de economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

     

    Fonte: Valor Econômico

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