Energia pode subir 50%, mas apagão tem efeito incerto no IPCA

    Denise Neumann e Rodrigo Polito De São Paulo e do Rio 

     

    As últimas informações sobre o custo da energia elétrica em 2015 já levam analistas a projetar um aumento próximo a 50% para as contas de luz neste ano. Esse aumento (ou algo semelhante) virá com ou sem racionamento. Sozinho, ele tem potencial para provocar uma alta de 1,5 ponto percentual no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano – algo como 20% em uma inflação anual de 7,5%. Se o impacto direto é consenso (ainda que em diferentes proporções), o efeito adicional sobre a inflação desta elevação junto com um eventual racionamento divide a opinião dos economistas.

    E essa “diferença” também faz com que eles tenham projeções distintas para a atuação do Banco CENTRAL na condução da política monetária. Para alguns, após mais uma ou duas altas, o BC volta a cortar juros neste ano. Para outros, o corte só virá em 2016. 

    Na linguagem econômica, os economistas divergem se o racionamento de energia e água será um choque tradicional de oferta ou se seu efeito sobre a demanda vai prevalecer rapidamente, o que ajudaria a conter correções secundárias de preços. Para o economista chefe do UBS Brasil, Guilherme Loureiro, ele é “claramente um choque de oferta”. Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, observa que o racionamento não é um choque clássico de oferta e trará também um efeito forte sobre a demanda. Cristiano Oliveira, economista- chefe do Banco Fibra, também avalia que o efeito da desaceleração da demanda vai prevalecer sobre a inflação, embora ele seja um choque de oferta. Os três esperam novas altas da Selic nas próximas reuniões, mas Loureiro só espera queda de juros em 2016, posição compartilhada por Silvia Matos, da FGV. Nos cenários desenhados pelas equipes de Kawall e Oliveira, a Selic volta a cair ainda no fim de 2015. 

    Em 2001, a primeira abordagem do Banco CENTRAL foi tratar o racionamento como um choque de oferta, lembra Kawall. Depois, os documentos da autoridade monetária passaram a chamar atenção para os efeitos da restrição no uso de energia sobre a atividade, inclusive com a inscrição, na ata da reunião do Comitê de política monetária (Copom) de junho de que “começa-se a formar consenso de que o impacto líquido [do racionamento] sobre a inflação tende a ser menos expressivo”, segundo levantamento feito pela equipe do Safra nas atas de 2001. A visão do BC, pondera Kawall, ficou resumida na carta escrita para explicar por que a meta de inflação não foi cumprida. Entre os motivos para um IPCA de 7,7%, acima do intervalo superior de 6%, o Copom citava o choque de preços de energia, mas não o racionamento. 

    Em 2001, a composição do choque de energia sobre as famílias foi diferente do que se desenha para 2015. O racionamento exigiu um corte de 20% no consumo (sob pena de aumento ainda mais expressivo de preço) e a tarifa de energia subiu 17,9%. Na ocasião, o IBGE não fez nenhuma mudança no cálculo de inflação para contemplar o impacto na redução do volume de energia consumido mensalmente no orçamento das famílias e por consequência na inflação. Para 2015, as últimas estimativas apontam um aumento entre 38% e 48% no preço com uma redução de consumo entre 5% e 10%. “Para os consumidores, um aumento de 48% no preço da energia retira renda disponível para o consumo de outros bens, especialmente nas classes menos abastadas”, diz Oliveira, do Fibra.

    No setor industrial, pondera Oliveira, um alta de preços na magnitude esperada (o Fibra elevou a previsão para o preço da energia para 48% após a Aneel colocar em consulta pública a correção de 83% nas bandeiras tarifárias) é um choque de custo muito elevado enquanto o racionamento tem perfil de choque de oferta. Para ele, contudo, a desaceleração da demanda vai prevalecer, com efeito sobre os preços. “Isso demora um pouco para acontecer, mas a contenção no consumo das famílias vai afetar o repasse desses custos aos preços”, pondera Oliveira.

    O Fibra já projeta uma inflação de preços livres menor em 2015 e 2016. Depois desse conjunto de itens subir 6,8% em 2014, ele espera alta de 6,2% em 2015 e 5,4% em 2016. Faz parte dessa dinâmica, uma projeção de queda na demanda doméstica de 1,1% em 2015, percentual superior à queda do PIB, estimada por ele em 0,8%. “É a primeira vez em muitos anos que isso acontece”, lembra Oliveira.

    Guilherme Loureiro, do UBS, é bem enfático quanto ao caráter de choque de oferta do racionamento e a liderança desse efeito. “A oferta vai cair mais rápido que a demanda e esse movimento vai gerar a pressão inflacionária”, pondera o economista-chefe do UBS. Ele espera que a Selictermine 2015 em 13% – a taxa teria mais dois aumentos, um de 0,50 em março e outro de 0,25 em abril – e ficaria nesse patamar até meados de 2016, ajudando a conter os efeitos do choque de oferta sobre os demais preços. Essa política monetária conduziria o IPCA de 7,1% nesse ano para 5,2% em 2016, percentual abaixo da estimativa do mercado. 

    Nas suas contas, a inflação de 7,1% prevista para esse ano pode sofrer um acréscimo de 120 pontos (o que a jogaria para cima de 8%) no caso de um racionamento. 

    “Além da indústria, haveria impacto forte sobre serviços, como alimentação fora do domicílio, educação, saúde e outros”, pondera Loureiro. Um corte obrigatório de 10% no consumo de energia elevaria sua atual previsão de queda de 0,5% do PIB para menos 1,5%. “É um choque de oferta clássico, que forçará redução na produção e assim vai gerar aumento de preços”, diz ele, acrescentando que a desaceleração da demanda virá depois, em função da alta de preços (não só da energia, mas dos demais). 

    Além do efeito do racionamento sobre os preços, os economistas também têm colocado na conta da inflação a desvalorização do real, outro elemento que esteve presente em 2001. O Departamento Econômico do Safra fez um detalhado estudo sobre o comportamento da inflação em 2001 e 2002 e a ação do Banco CENTRAL nesse período. E além de encontrar a mudança na leitura que o Copom fez do racionamento e seus impactos sobre a inflação, o Banco cruzou vários preços, a alta do câmbio (que chegou a quase 30%) e olhou para a atividade. O Banco, conta Kawall, não encontrou sinais de que a redução na oferta de energia tenha contribuído de forma significativa para pressionar a inflação. 

    Além disso, de acordo com seus modelos, o Safra concluiu que, na época, o racionamento ajudou a reduzir a intensidade do repasse da desvalorização do real sobre os preços domésticos. Mantido o “normal” para a época, a desvalorização cambial deveria ter provocado impacto inflacionário de 2,4 pontos percentuais em 12 meses, mas o repasse ficou em 1,7 ponto. 

    Para ele, os elementos que reduziram a confiança e a demanda das famílias e a intenção de investir em 2001 estão presentes e trarão o PIB para baixo este ano, abrindo espaço para uma redução dos juros já em outubro. Na projeção do Safra, a Selic sobe até 13% (0,50 e 0,25 ponto), mas volta a cair em outubro e novembro, encerrando o ano em 12,50%. O Safra já incorporou o racionamento na sua previsão oficial do PIB, que agora é de queda de 1,3% com inflação de 7,5% e alta de 48% em energia e 12% em administrados. 

    Os preços livres já sobem menos, ficando em 6,2% este ano e 5,8% em 2016, quando a Selic continua caindo (dois cortes de 0,25 ponto) até 11% (fim do ano). 

    Silvia Matos, economista e coordenadora do boletim de conjuntura do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, explica que seu cenário base é de uma contratação de 1% do PIB, já incluindo racionamento de 5%. Se o corte exigido for maior, a queda no PIB pode chegar a 2,5%. “Uma coisa que pode aliviar um pouco é que os preços da energia estão subindo bastante”, diz ela, que embutiu nas contas uma queda de pelo menos 10% do consumo de energia por domicílio, influenciada por um aumento médio de tarifa de 38% este ano. Assim, o consumo de energia cairia mais do que o exigido pelo racionamento, nas suas estimativas. 

    Além da preocupação macroeconômica dos efeitos da restrição no uso de energia, em um contexto de economia já fraca e com eventuais prejuízos sobre o ajuste fiscal (menor crescimento, menor arrecadação), Silvia também estima que o choque inicial – e forte – na inflação pode depois ser acomodado. 

    O Ibre projeta IPCA de 7,5%, mas esse índice pode subir se o governo elevar impostos para melhorar a arrecadação. “Tem pessoas estimando inflação maior. Mas tenho um pouco de dúvidas, porque se tivermos uma queda muito forte da atividade, podemos ter um aumento do desemprego muito rápido, com uma desaceleração mais forte da inflação de serviços”, diz ela. Para o Ibre, os juros só voltam a cair em 2016, a não ser que o racionamento venha muito mais forte que o atualmente projetado.

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorPacotão na Câmara derruba o governo
    Matéria seguinteEconomia encolheu 0,2% em 2014, calculam analista