A política monetária do Banco Central, especificamente sua política de juros, pautada pelo ciclo de alta deflagrado em outubro do ano passado – com impacto tão abrangente quanto relevante nos últimos meses – mereceu dupla análise na carta trimestral da Canepa Asset Brasil. A postura agressiva do BC no aumento da Selic é interpretada como o avesso da poderosa decisão tomada pelo Comitê de Política Monetária(Copom) em 31 de agosto de 2011. A Canepa não diz, mas a ação do Copom naquele 31 de agosto representou o que seria vista como “marca” da gestão Dilma Rousseff na economia – surpreendente, discutível e com enormes consequências.
Naquele fim de agosto, ao prever uma “hecatombe recessiva” na economia mundial [que acabou não confirmada], o BC deu “um cavalo de pau” na política monetária. Interrompeu um ciclo de aumento de juro e deflagrou um ciclo de baixa imediatamente, apesar de a inflação apontar para 7,22% ao ano. O BC fez uma aposta audaciosa – vista como uma “atitude pró-ativa”, aplaudida pela maioria dos economistas – que teve elevado custo ao país, recorda o economista Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Brasil.
A economia internacional não piorou tanto quanto o esperado. A economia brasileira degringolou. A inflação mudou completamente de patamar na sequência da súbita inversão do ciclo monetário. O governo em toda sua extensão comemorou, ano após ano, a “inflação dentro da meta” – sustentou “um discurso que mostrou total desprezo ao centro de 4,5% e reforçou o processo de desancoragem do IPCA”, afirma o economista.
Hoje, o ambiente é completamente diferente. A economia caminha a passos largos para um ano de cerca de 2% negativos de PIB, afirma Póvoa, com destruição de 100 mil empregos por mês e níveis de confiança nos mais baixos níveis, tanto para o consumidor como para o produtor. “O BC, no afã de recuperar a credibilidade perdida no objetivo da busca pela meta de 4,5% ao ano e, assim, reancorar as expectativas inflacionárias, assumiu a postura oposta à adotada em 2011”. Partiu para o aumento agressivo do juro.
São visíveis as consequências de seis elevações consecutivas da Selic entre setembro passado e junho. Uma delas é a trajetória explosiva do juro real. E contribui para a exacerbação de tendências, a comunicação formal explícita do BC com o mercado que reforça a mensagem de que não vai interromper o processo de aperto monetário enquanto a estimativa de IPCA, pelo seu modelo econométrico, não convergir para 4,5%.
Póvoa vê com preocupação, novamente, a grande maioria dos analistas aplaudindo a postura agressiva do BC. E chama atenção para a expressão do juro real na economia brasileira no atual estágio recessivo. “Deve estar entre 4% e 5% ao ano. O BC, através da elevação contínua da Selic, fez com que o juro real prospectivo disparasse para a casa de 8%. Na prática, porém, certamente é maior. É empiricamente comprovado, para quem acompanha o histórico dessas projeções, que as estimativas do IPCA na Focus estão influenciadas pelo IPCA pressionado de curto prazo.”
Póvoa escreve no relatório da Canepa que o IPCA projetado em 5,44% (em média) para 2016 certamente está inflado, levando a crer que o juro real da economia brasileira ex-ante já está girando, na realidade, ao redor de 9% ao ano, nível que representa aproximadamente o dobro do juro real de equilíbrio da economia neste momento. Ele reconhece que em uma situação de inflação fora do centro da meta, faz parte da cartilha de qualquer BC a elevação do juro real acima do nível de equilíbrio. “Mas levá-lo ao dobro desse nível pode já representar veneno em uma economia que já passa por enormes dificuldades.”
Fonte: Valor Econômico