A menos de 30 dias da eleição, a campanha presidencial brasileira ganha em emoção e intensidade. De acordo com as últimas pesquisas divulgadas, a disputa está polarizada entre a candidata do PT, Dilma Rousseff, presidente em busca da reeleição, e a ex-senadora Marina Silva, do PSB, que herdou de Eduardo Campos a candidatura e a missão de viabilizar a terceira via, num cenário eleitoral polarizado entre PT e PSDB desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
A campanha esquentou após o acidente que matou o ex-governador Eduardo Campos, em 13 de agosto. Desde então já foram realizados dois debates entre os candidatos, transmitidos por redes nacionais de televisão, e entrou no ar o horário eleitoral gratuito. Nem por isso o eleitor está mais esclarecido sobre o que propõem aqueles que reivindicam o próximo período de quatro anos no Palácio do Planalto. Antes pelo contrário.
Numa eleição em que se fala muito em “contradição”, a coerência é artigo em falta na prateleira dos candidatos. A questão da governabilidade, para citar apenas um exemplo, exige mais empenho das duas candidatas que no momento dominam a cena da disputa eleitoral.
A presidente Dilma Rousseff, em resposta à ideia de Marina de governar com “os bons”, afirmou que sempre apostou na governabilidade. “Sem negociação com o Congresso não é possível garantir um governo estável”, disse. “Não somos nós, os presidentes, que escolhemos os bons. Quem escolhe os bons é o povo brasileiro”.
Perfeito, não fosse o fato de que uma das principais críticas feitas ao governo Dilma é justamente a falta de traquejo da presidente da República para lidar com o Congresso. Em seu governo, os partidos nomearam os ministros, algumas vezes com indicações que contrariavam a vontade da própria presidente. É notório o caso da troca de comando no Ministério dos Transportes por um punhado de minutos a mais na propaganda eleitoral da candidata.
A candidata Dilma deveria ter aprendido com o episódio do mensalão que não basta negociar com o Congresso, é necessário qualificar essa relação. A referência é o presidente da República. Também por isso é indiscutível que a candidata Marina precise esclarecer seu potencial eleitor sobre o que ela quer exatamente dizer quando fala em governar “com os bons” de cada partido, especialmente no momento em que a dinâmica da eleição sopra uma cortina de fumaça sobre a terceira via.
Eduardo Campos sempre se apresentou como uma alternativa da esquerda ao PT. Marina tem origem num partido revolucionário, o PRC, e foi militante do Partido dos Trabalhadores. O eleitor desse campo político, portanto, tem o direito de saber para que lado deve se inclinar um eventual governo de Marina Silva.
Este é um cenário que ficará mais nítido na disputa do segundo turno, quando os partidos que sobrarem do primeiro escrutínio se definam em relação às duas candidaturas hoje favoritas, se até lá tudo ocorrer na conformação atual das pesquisas eleitorais. Também é certo que a candidata do PSB não tem como evitar manifestação de apoios de setores identificados com um passado que o país prefere esquecer. Mas para ser correta com o eleitor de quem pede o voto, Marina precisa demarcar territórios no saco de gatos de uma campanha que hoje reúne apoios que vão dos ambientalistas ao Clube Militar. Enfim, algo bem maior que uma opção ao PT, à esquerda, como era no início.
A questão da governabilidade é apenas uma das muitas que exigem mais coerência dos candidatos. Dilma tem razão quando pede que Marina diga como pretende cortar gastos e aumentar despesas que, segundo calcula a candidata à reeleição, somam R$ 140 bilhões. A presidente, por seu turno, não pode simplesmente largar na estrada seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, como se nada tivesse a ver com a política econômica executada nos últimos quatro anos, que levou o país às portas de uma recessão.
A campanha de Marina Silva já lançou seu plano de governo. A presidente Dilma Rousseff e o candidato do PSDB, Aécio Neves, ainda devem os seus. O debate será qualificado se o eleitor souber o que cada partido se propõe a fazer no Palácio do Planalto. Preto no branco, sem margem a dúvidas, sentenças publicitárias e “pegadinhas” nos debates eleitorais. Coerência é o mínimo que se deve exigir dos candidatos.
Fonte: Valor Econômico