Por Roberta Costa | De São Paulo
Um mercado de trabalho ainda fraco nos Estados Unidos e um mercado financeiro pujante na última semana. Tudo conspira para que o Fed, o banco central americano, mantenha os estímulos à economia por mais tempo. Pesquisas de grandes agências de notícias estrangeiras já mostram que a maior parte das instituições financeiras coloca suas fichas no início da redução das compras de Treasuries (títulos do Tesouro americano) e de títulos lastreados em hipotecas (MBS, na sigla em inglês) apenas em março de 2014.
Os preços no mercado refletem este cenário: o dólar e os retornos dos Treasuries recuaram ontem, e as ações subiram.
À parte o imbróglio fiscal nos EUA, o mundo não mudou tanto assim desde setembro. A queda da taxa de desemprego desde o anúncio do programa de compras de ativos, há um ano, refletiu o encolhimento da força de trabalho para 63,2%, menor nível desde 1978. Isso não é bom presságio para os próximos meses, embora a boa notícia de setembro tenha sido exatamente o fato de o contingente economicamente ativo não ter caído.
Os dados apresentados ontem não têm relação com a suspensão parcial das atividades do governo dos EUA. Portanto, somando a revisão que acrescentou pífias nove mil vagas nos levantamentos de julho e agosto, o resultado de setembro ficou muito abaixo da média mensal de 185 mil vagas dos últimos 12 meses.
Se lembrarmos que a taxa de desemprego girava em 5% antes da crise e hoje está em 7,2% (número de setembro, divulgado ontem), há muito ainda para melhorar no mercado de trabalho.
Por outro lado, há um dilema para o Fed, que está nos dois níveis cruciais de taxas de desemprego que foram colocados: os 7% que coincidiriam com o fim dos estímulos e os 6,5% que indicariam o início da discussão da alta de juros. Ambos estão muito próximos, sem que o mercado de trabalho esteja em situação ideal. Uma mudança nos parâmetros do Fed para desemprego (para baixo) e inflação (colocação de um piso) deve, portanto, vir logo – como esperam vários analistas ouvidos pelo Valor desde a reunião de junho do BC dos EUA.
E outubro? Por conta do atraso na coleta de dados, o relatório de trabalho não será muito fiel à realidade. Há também efeitos negativos sobre a economia que virão da paralisação dos serviços públicos. O Fed não terá em mãos informações suficientes para começar a reduzir os estímulos com segurança nos próximos dois meses, pelo menos. No mais, algo parece estar diferente.
Desde a reunião do Fed, houve vários discursos de membros do BC americano. Além do óbvio foco sobre o mercado de trabalho, o estado geral da economia tem tomado mais atenção dos participantes do Fomc, o comitê de política monetária.
Um exemplo foi Charles Evans, do Fed de Chicago e membro votante do Fomc, que enfatizou a necessidade de uma visão mais clara da recuperação. Sobre a batalha fiscal no Congresso, Evans disse que precisará de mais tempo para compreender a proporção do prejuízo sobre a economia e que isso, potencialmente, adiaria o início da redução dos estímulos.
Em suma, o Fed parece buscar uma comunicação mais clara, reduzindo a possibilidade de novas ondas de tensão e aperto financeiro mundo afora, como aconteceu entre junho e setembro. Reduzir seus parâmetros atuais ou incluir outras métricas são opções no curto prazo, o que não muda o seu status de “data dependent” (que depende dos dados) para alterar sua política.
Fonte: Valor Econômico