Fisco reduz previsão de arrecadação para 2014

    Recolhimento de tributos cresce 5,5% em agosto graças à ajuda do Refis. Sem ele, teria havido queda de 2,4%. Meta de superavit está em xeque

    Com a economia à beira da recessão, a arrecadação de impostos diminui, e especialistas cada vez mais se convencem de que o governo não conseguirá cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública), de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 99 bilhões neste ano. Devido ao fraco desempenho do recolhimento dos tributos, o Fisco reduziu novamente a previsão de crescimento de receita para 2014. Agora, espera elevação de apenas 1%, metade da projeção anterior, de 2%. No início do ano, a expectativa era bem maior: 3,5%.

     

    A alteração, de acordo com o secretário adjunto da Receita Federal, Luiz Fernando Teixeira Nunes, reflete o corte de 1,8% para 0,9% da previsão de alta do Produto Interno Bruto (PIB), divulgada anteontem pelo Ministério do Planejamento. “Quando fazemos nossas projeções de arrecadação, consideramos variáveis como a projeção do valor do PIB, que está menor agora”, disse Nunes durante a divulgação da arrecadação de agosto, que só não foi pior por conta de receitas extraordinárias.

     

    A entrada de impostos nos cofres públicos somou R$ 94,4 bilhões no mês passado, volume 5,5% acima do registrado em 2013 em valores reais, ou seja, descontada a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas esse montante só foi obtido com a ajuda do Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias, relançado recentemente. Sem ele, o Fisco teria arrecadado R$ 87,2 bilhões, ou seja, 2,4% a menos que em agosto de 2013. Em relação a julho, a queda foi de 4,4%.

     

    Apesar de ter salvado o mês, a receita de R$ 7,2 bilhões com o Refis ficou bem abaixo dos R$ 13 bilhões esperados pela Receita. Mesmo assim, o governo mantém a previsão de recolher R$ 18 bilhões com o programa neste ano, valor que poderá chegar a R$ 19 bilhões pelas contas de Nunes. “Houve um parcelamento da entrada maior do que esperávamos. Entrou a primeira parcela, de R$ 2,278 bilhões e ainda há outras quatro para serem depositadas. Com isso, já conseguimos R$ 16,2 bilhões, e esperamos outros R$ 3 bilhões até novembro”, destacou o secretário.

     

    Criatividade

    Ao contrário do Fisco, o economista da consultoria Tendências Felipe Salto não espera aumento na receita tributária neste ano. “Mantemos nossa projeção de crescimento zero, mesmo se o Refis chegar a R$ 18 bilhões, como prevê o Fisco”, disse ele, que calcula superavit primário de 1,5% do PIB.

     

    Alexandre Schwartsman, consultor e ex-diretor do Banco CENTRAL, acredita que o governo só conseguirá cumprir o primário neste ano “com muita criatividade”. No entanto, ele não prevê que a arrecadação caia, mesmo com a economia enfraquecida. “A receita pode não bater o valor orçado (R$ 1,3 trilhão), mas dificilmente ficará abaixo do ano passado, em valores corrigidos pelo IPCA. A piora do superavit vem do lado da despesa”, explicou.

     

    Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria LCA, também calcula que o primário não será cumprido. Ele lamentou a decisão do governo de sacar R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para não alterar a meta, em vez de trabalhar com uma projeção mais realista, como o mercado esperava. “Não acredito que o saldo será maior do que 1,4% do PIB”, disse.

     

    “É notório que os gastos públicos crescem em ritmo maior que a receita – que só apresenta aumento graças a ganhos extraordinários, que não costumam ocorrer sempre”, alertou do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

     

    Complicação

    O problema, observam os especialistas, é que as receitas relacionadas à atividade produtiva estão encolhendo. O recolhimento de tributos como o PIS-Cofins despencou 12,43% de janeiro a agosto na comparação com o mesmo período de 2013, passando de R$ 54,4 bilhões para R$ 47,7 bilhões. “Não há consistência na austeridade fiscal que se tenta demonstrar. Para piorar, o governo usou desonerações para estimular a economia, mas não conseguiu reverter o quadro e passou a ter uma complicação adicional”, alertou. O total de incentivos cresceu 36% neste ano e já alcança R$ 67,2 bilhões.

     

    A queda na arrecadação é generalizada. Até as entidades financeiras, as maiores contribuintes do Fisco, pagaram 6,86% a menos de imposto de janeiro a agosto deste ano na comparação com o mesmo período de 2013 – R$ 85,8 bilhões, ante R$ 79,9 bilhões anteriormente. A indústria automotiva, que sofre forte desaceleração de vendas, também recolheu menos tributos. O volume encolheu de R$ 25,4 bilhões, nos oito primeiros meses do ano passado, para R$ 21,2 bilhões, em 2014. No acumulado de janeiro a agosto, entraram nos cofres da União R$ 771,8 bilhões , um aumento real de 0,64% sobre o mesmo período de 2013.

     

    » Cooperação com os EUA

     

    O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a embaixadora dos Estados Unidos, Liliana Ayalde, assinaram ontem acordo para evitar evasão de impostos. O acerto prevê que informações sobre contribuintes norte-americanos no Brasil sejam encaminhadas pelas instituições financeiras para a Receita Federal e, depois, repassadas ao Internal Revenue Service (IRS) norte-americano. Em contrapartida, o Fisco receberá informações sobre movimentações de brasileiros em bancos americanos.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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