Negociação com o Congresso usa brechas em regimento de comissão para garantir drible à meta fiscal
Foi a primeira vez que um acordo de prazos foi oficializado. Como vice-presidente do Senado, Jucá assinou ofício comunicando à CMO o calendário que permitirá votar seu parecer no dia 19. Se a estratégia der certo, a proposta poderá ser votada pelo Plenário do Congresso na semana seguinte, dia 24 ou 25. Na prática, o governo pode até ter resultado negativo em 2014, mas, com a manobra, não estará descumprindo a meta de superávit, nem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
MUDANÇA SEM CELEUMA
Jucá negociou desde a noite de quarta-feira o cronograma relâmpago, valendo-se de brechas no regimento do Senado e da CMO, depois de concluir que esse caminho seria o mais adequado para viabilizar a aprovação do projeto dentro do prazo.
– Dos movimentos que se podia fazer, o mais tranquilo e o mais simples era mudar o calendário na CMO, porque não queremos criar celeuma, e a urgência poderia criar problemas. Por isso, combinei com o ministro (da Casa Civil) Aloysio Mercadante de retirar a urgência.
Jucá encaminhou o ofício ao presidente da CMO, deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), que pediu o aval de Renan. Este, então, oficializou a mudança.
– Superada essa questão técnica, a contingência será política. O projeto só poderá ir ao plenário depois que limparmos a pauta que está trancada com os vetos, e sabemos que a oposição não vai facilitar, mas não podemos brincar com fogo.
Pela manhã, o Planalto ainda tentava outra estratégia. O vice-presidente Michel Temer encaminhou ao Congresso pedido de urgência para a tramitação do projeto. Mas, nos bastidores, o pedido foi considerado “inócuo”, já que a urgência só determina que a pauta do Congresso fique trancada em 45 dias, sendo que a mudança na LDO precisa ser aprovada até 22 de dezembro, quando o Legislativo entra em recesso.
A oposição reagiu ao pedido e ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). No começo da noite, temendo que a discussão acabasse de fato no Supremo, o Planalto recuou e retirou o pedido de urgência.
Jucá usou brechas na Resolução Número 1 da CMO, que fixa prazos mínimos e máximos para as etapas de tramitação. A saída foi utilizar os prazos mínimos. Para ter respaldo, também foi aplicado o Regimento do Senado. Técnicos da CMO disseram que foi um “canetaço” e que, tradicionalmente, são usados os prazos máximos. Calheiros e Jucá decidiram inverter o processo: fazer a mudança sem antes passar pela CMO. O presidente do Senado é o presidente do Congresso.
OPOSIÇÃO PEGA DE SURPRESA
Pelo calendário especial, serão dadas só algumas horas para apresentação de emendas ao projeto que altera a LDO. E, em menos de 24 horas, Jucá apresenta seu parecer. Todas as articulações estão acontecendo no momento em Temer está na Presidência, devido à viagem da presidente Dilma Rousseff.
No dia 17, ocorrerá a apresentação da análise das emendas. No dia 18, Jucá apresentará seu parecer, favorável à mudança das regras para o superávit. E, no dia 19, a CMO votará o parecer de Jucá. Com isso, a proposta ficará pronta para ser votada no Plenário. O desafio do governo será, então, limpar a pauta, que está trancada por 38 vetos presidenciais.
A oposição foi pega de surpresa pela manobra. À tarde, o PSDB anunciou que ingressaria hoje no STF contra o pedido de urgência. O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), disse que o governo usou o “rolo compressor”.
– Esse rito de urgência é uma aberração constitucional. Vamos fazer obstrução na CMO, nas sessões do Congresso, e exigir que sejam votados os 38 vetos separadamente e não em conjunto.
‘DESEMPENHO EXEMPLAR’ Mercadante e Ricardo Berzoini, ministro das Relações Institucionais, convocaram a bancada do PT para defender a mudança na meta de superávit. Argumentam que mesmo com a redução, haverá superávit e isso garantirá a manutenção de investimentos, emprego e renda.
– O superávit possível é o que teremos no final do ano. Não vamos adiantar números, vocês peçam para a área econômica – disse Mercadante.
Ele tentou explicar declaração dada anteontem, quando afirmou que o desempenho fiscal do Brasil tinha sido exemplar. Segundo Mercadante, é evidente que a situação fiscal do país não é exemplar, mas difícil.
– Ao longo dessa crise de 2009 pra cá o Brasil foi o que teve o maior superávit primário do G20. Por isso falei que ao longo dessa crise nosso desempenho fiscal foi exemplar, foi o segundo melhor entre as 20 maiores economias do mundo. Evidente que a nossa situação hoje não é uma situação exemplar, é uma situação difícil. ( Colaborou Luiza Damé)
“Sabemos que a oposição não vai facilitar, mas não podemos brincar com fogo” Romero Jucá Vice-presidente do Senado e relator do projeto de mudança da LDO
Fonte: O Globo