Governo dá uma guinada e decide privatizar Eletrobrás

    Autor: Rodrigo Polito, Daniel Rittner, Rafael Rosas e Camila Maia | De São Paulo, Brasília e Rio

    O governo mudou radicalmente seus planos com relação à Eletrobras e decidiu privatizar a maior companhia de energia elétrica da América Latina. O ministério de Minas e Energia (MME) vai propor ao conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) a redução da participação da União na estatal, “com sua consequente democratização” na Bolsa de Valores, seguindo o exemplo do que foi feito no passado com a Embraer e a Vale.

    A ideia, de acordo com o ministério, é recuperar a Eletrobras e permitir à empresa implementar os requisitos de governança corporativa exigidos no Novo Mercado. O Valor apurou, contudo, que a proposta foi costurada pela pasta junto com o Ministério da Fazenda e foi lançada após o agravamento da previsão de Déficit fiscal do governo, para R$ 159 milhões em 2017 e 2018.

    Segundo uma fonte com conhecimento do assunto, a ideia é realizar uma operação de aumento de capital, no qual seria diluído o controle da União na empresa, que passaria a ser de controle pulverizado.

    Os recursos da operação seriam utilizados pela Eletrobras para adquirir novamente as usinas que operam sob o regime de cotas, desde a Medida Provisória 579. A ideia é que o valor do aumento de capital seja na proporção do montante necessário para realizar o pagamento por estas usinas, podendo alcançar a cifra de R$ 20 bilhões.

    Por essa fórmula, o dinheiro gerado pelo aumento de capital entra na Eletrobras, mas é repassado ao Tesouro, provocando um efeito positivo nas contas públicas.

    O pesquisador do Insper, Sérgio Lazzarini, não vê razões estratégicas ou impedimentos éticos que inviabilizassem a intenção de privatizar a Eletrobras. Para ele, vender a estatal para a gestão privada seria uma alternativa ao modelo de negócios atual, em que a empresa assumiu “muitos projetos pouco lucrativos de forma pouco transparente”, analisa.

    Em nota, o MME informou: “A decisão foi adotada após profundo diagnóstico sobre o processo em curso de recuperação da empresa. Apesar de todo o esforço que vem sendo desenvolvido pela atual gestão, as dívidas e ônus do passado se avolumaram e exigem uma mudança de rota para não comprometer o futuro da empresa”.

    Segundo o ministério, os problemas da Eletrobras decorrem de “ineficiências acumuladas nos últimos 15 anos, que impactaram a sociedade em cerca de um quarto de trilhão de reais [R$ 250 bilhões]”. “Não há espaço para elevação de tarifas nem para aumento de encargos setoriais. Não é mais possível transferir os problemas para a população. A saída está em buscar recursos no mercado de capitais atraindo novos investidores e novos sócios”, completou.

    A proposta prevê que a União permaneça como acionista e mantenha poder de veto na administração da companhia, para garantir a preservação de decisões estratégicas, como projetos de revitalização do rio São Francisco. A ideia do governo é adotar modelo semelhante ao aplicado em países como Portugal, França e Itália, que transformaram suas estatais elétricas (EDP, EDF e Enel, respectivamente) em grandes corporações com atuação internacional e que mantêm sua identidade nacional.

    Em fato relevante, a Eletrobras informou que a efetivação da operação depende de autorizações governamentais, avaliação das autorizações legais e regulatórias que serão necessárias, avaliação do modelo a ser adotado e observância dos procedimentos específicos, por ser tratar de sociedade de economia mista, de capital aberto, com ações listadas na B3, em Nova York (Nyse) e em Madri (Latibex).

    O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, afirmou que a venda do controle acionário da Eletrobras não requer o envio de um projeto de lei ao Congresso e pode ser feita em sem trâmite legislativo. “Não precisa disso. É como a privatização da Embraer”.

    Ele não quis fazer projeções sobre o valor que poderá ser arrecadado e nem quando a operação ocorrerá. Ele enfatizou que a preparação do negócio requeria cuidado e discrição por tratar-se de empresa com papéis negociados na B3 e na Bolsa de Nova York.

    O plano deve ser “operacionalizado” em 2018, disse o secretário executivo do MME, Paulo Pedrosa. “Para esse ano, não há condição. Isso é para o ano que vem”, afirmou. “A estratégia envolve atender uma demanda de curto prazo para ajudar a fechar a contas, mas não pode ser vista como uma intervenção para cumprir um objetivo puramente fiscal”, disse Pedrosa.

    O presidente da Amec, Mauro da Cunha, declarou que a proposta do MME “é uma notícia para se comemorar e mais uma sinalização de que o mercado de capitais é o caminho para as empresas”.

    O Valor apurou que o plano de privatização da Eletrobras começou a ser discutido nas últimas duas semanas. O assunto foi conduzido por equipes restritas dos ministérios da Fazenda e de Minas e Energia. Ferreira Jr., presidente da estatal, e o diretor financeiro e de Relações com Investidores, Armando Casado, passaram o dia ontem em Brasília. À tarde, Casado participou de reunião com investidores em São Paulo, mas o encontro terminou antes da divulgação do fato relevante do plano. (Colaboraram Ligia Guimarães, Paula Selmi e Rafael Bitencourt)

     

    Proposta gera ainda mais dúvidas sobre a estatal
    Análise
    Rodrigo Polito | De São Paulo

    A proposta de desestatização da Eletrobras, que será apresentada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e que foi divulgada ontem pelo ministério, não pegou apenas o mercado de surpresa. Alguns integrantes da equipe de energia do governo, por exemplo, souberam da medida há apenas alguns dias, e não tiveram oportunidade de debater ou questionar a decisão.

    O tema começou a ser discutido nas últimas duas semanas. A orientação veio depois de reunião entre o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, e o presidente Michel Temer. Em seguida, o assunto foi discutido em algumas reuniões por um grupo restrito das pastas da Fazenda e de Minas e Energia (MME), incluindo o secretário-executivo, Paulo Pedrosa.

    Outros secretários da pasta e demais integrantes da equipe energética do governo foram informados na última semana de que os rumos do plano de recuperação da Eletrobras seriam alterados. O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., e o diretor financeiro e de Relações com Investidores da estatal, Armando Casado, passaram o dia em Brasília. À tarde Wilson cancelou sua ida à reunião da Apimec em São Paulo.

    No encontro com investidores, Casado informou apenas que foram realizadas reuniões normais em Brasília e que Wilson havia ficado na capital porque amanhã tinha previsto reunião do conselho de administração da Eletronorte.

    Por mais nobre que seja o motivo do governo ao propor a desestatização da Eletrobras – o governo alega que fará uma operação nos moldes do que foi feito com a Vale e a Embraer e com a intenção de tornar a companhia um modelo bem sucedido como a portuguesa EDP e a francesa EDF – a proposta mostra uma guinada muito intensa e mudança muito forte em relação ao plano que vinha sendo conduzido pela gestão de Wilson Ferreira Jr.

    A empresa estava sendo bem sucedida em sua tentativa de mostrar ao mercado o plano de ação traçado para recuperar a empresa, por meio de privatização de distribuidoras e venda de participações em sociedades de propósito específico (SPEs). Agora, surgem muitas dúvidas se a empresa de fato manterá em curso seu plano de venda de ativos.

    A notícia de ontem causa impacto em outra frente. É difícil saber se o plano de descotização e posterior venda de 14 gigawatts (GW) de hidrelétricas da Eletrobras, previsto na minuta de reforma do setor elétrico, seguirá em frente com a proposta do governo de desestatizar a Eletrobras. Afinal, a estatal com as usinas é uma empresa e sem elas é outra completamente diferente.

     

    Venda deve ficar para 2019, dizem analistas
    Camila Maia e Fernando Torres | De São Paulo

    Considerando as ações detidas diretamente, por meio de fundos do governo e também via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a União detém 63,2% do capital total da Eletrobras. A preços de ontem na bolsa, essa participação vale aproximadamente R$ 12 bilhões. O processo de privatização e migração para o Novo Mercado da companhia, conforme o anúncio, agradou o mercado, ao menos num momento inicial.

    A União possui 51% das ações com direito a voto da Eletrobras, o que equivale a 41% do capital total. BNDES e BNDESPar possuem, juntos, 19,9% das ações votantes, 13,9% das preferenciais e 18,7% do capital total. Outros acionistas governamentais da Eletrobras são o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) e o Fundo Garantidor de Habitação (FGHAB), que têm 3,4% e 0,1% do capital total da estatal, respectivamente.

    Apesar da recepção positiva, para analistas ouvidos sob a condição de anonimato, é praticamente impossível concluir a operação dentro do governo atual, devido ao prazo imposto pelas eleições, que é março do ano que vem. Além disso, o BNDES, que conduz as desestatizações do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), está “afogado” com as operações já em curso, segundo uma fonte.

    As privatizações das distribuidoras da Eletrobras, por exemplo, estão em risco devido ao atraso na entrega dos laudos de avaliação dos ativos feitos pelo banco.

    “Acho que essa será uma tarefa importante para o novo presidente do país”, disse um analista, que qualificou a decisão tomada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) como “incrível”. A dificuldade em concluir a venda das distribuidoras foi lembrada por outro analista, que se disse “cético” sobre a possibilidade de conclusão da privatização até março.

    O processo, segundo os especialistas, deve tomar cerca de dois anos. Além da venda de parte das ações que a União tem na companhia, a Eletrobras terá que passar por mudanças significativas na migração para o Novo Mercado, segmento de listagem da B3 com maior nível de governança. Hoje, a estatal não faz parte de nenhum nível de listagem da bolsa.

    O limite de prazo estabelecido pelas eleições também reduziu as chances, portanto, de que Wilson Ferreira Junior ainda esteja no comando da companhia quando a privatização for realizada. Seu mandato vai até abril de 2019, mas pode ser renovado.

    Ontem, as ações ON fecharam cotadas a R$ 14,20, alta de 3,35%. As PN subiram 2,65%, a R$ 17,83. Na Bolsa de Nova York, os ADRs da estatal fecharam em alta de 20%, a U$ 5,34, no after market. Após uma forte alta no ano passado, as ações da Eletrobras acumulam queda acentuada – ON recuam 37,7% desde dezembro e PN, 26,5%.

    Fonte: Valor Econômico

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