Gustavo Loyola
Ogoverno segue insistindo em um diagnóstico equivocado sobre as dificuldades atuais de crescimento da economia brasileira. Segundo matéria de Tainara Machado e Francine de Lorenzo publicada no Valor de 29 de abril, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou em entrevista que “o PIB poderia estar crescendo cerca de 3% ao ano caso não houvesse restrições de crédito ao consumo”. Para o ministro da Fazenda, o principal problema para a demanda seria a falta de crédito ao consumo, já que os bancos privados estariam mais rigorosos na concessão de crédito. Mantega incorre em dois erros palmares. O problema da economia hoje não é de demanda agregada e nem seria desejável, como insinua o ministro, induzir os bancos a relaxarem seus padrões de crédito na conjuntura atual.
A insistência do governo na expansão do consumo como motor de crescimento do PIB é inacreditável, após todas as evidências de que esse modelo se esgotou. Como indicam as estatísticas do desemprego, o mercado de trabalho praticamente não mostra folga alguma, tanto pela ocupação que se mantém elevada, quanto pela tendência recente de retração na oferta de mão de obra. Além disso, o comprometimento da renda dos consumidores com o pagamento de encargos e principal de dívida está em patamar relativamente elevado, não havendo muito espaço para expansão sadia do endividamento das famílias, ainda que os bancos relaxassem imprudentemente suas políticas de concessão de crédito.
Porém, o mais bizarro de tudo é o ministro da Fazenda ignorar os evidentes sinais de pressão inflacionária em seu diagnóstico sobre os males da economia brasileira.
A inflação corrente e as expectativas futuras estão no teto da banda estabelecida no regime de metas. Numa situação como essa, defender o aumento do consumo alavancado por crédito parece coisa de bombeiro querendo usar lança-chamas para combater um incêndio. Ademais, soa no mínimo estranho o ministro da Fazenda reclamar da falta de crédito em pleno ciclo de aperto monetário conduzido pelo Banco CENTRAL que elevou a taxa Selic sucessivamente nas últiermas nove reuniões do Copom.
A crise de crescimento da economia brasileira não tem suas raízes na insuficiência da demanda agregada. Não há remédio “k e y n e s i a n o” para os males atuais do Brasil, que se relacionam à diminuta taxa de crescimento da produtividade e à baixa taxa de investimento. De acordo com um estudo do Boston Consulting Group recentemente divulgado, a indústria brasileira foi a que mais perdeu competitividade na última década entre 25 países exportadores. O citado estudo mostra que hoje a nossa indústria tem custos 23% maiores do que a americana, enquanto em 2003 eram 3% menores. Fundamentalmente, o que ocorreu no período foi que a produtividade no Brasil cresceu pouco quando comparada com a elevação dos salários reais e dos outros custos de produção.
Entre 2003 e 2013, a taxa de desemprego medida pelo IBGE caiu de 12,4% para 5,4%. Um ótimo resultado, sem dúvida, mas que, sem crescimento da produtividade, teve papel central na perda de competitividade da indústria brasileira.
Para agravar o problema, as políticas de governo na última década foram perversas para a produtividade e o investimento. Os últimos dez anos se caracterizaram pelo forte aumento do intervencionismo do governo na economia, com o uso de instrumentos discricionários que amplificaram o desastre do baixo crescimento da produtividade.
O aumento das restrições burocráticas e tarifárias para a importação é exemplo típico que ilustra os prejuízos para a competitividade causados pelas intervenções equivocadas do governo.
As empresas que buscam importar bens de capital para melhorar a competitividade se submetem a um verdadeiro ordálio e muitas acabam desistindo, emaranhadas no cipoal burocrático criado pelo governo. Proliferam os regimes especiais (tipo Inovar Auto), assim como restrições disfarçadas como “políti – cas de conteúdo nacional”. O resultado é que o Brasil se vê alijado das cadeias globais de produção e nossa indústria se contenta em produzir para um mercado doméstico protegido. Qualquer semelhança com os anos 50, não é mera coincidência! O dramático é que os equívocos do governo colocaram em marcha um círculo vicioso: políticas ruins pioram o crescimento o que, mantido o diagnóstico errado, leva a novas ações negativas para a produtividade e o crescimento.
Segundo o noticiário, o governo teria a intenção de criar um fundo para bancar a inadimplência nos financiamentos de automóveis. A medida faria parte de um novo pacote de ajuda ao setor automobilístico. Mais uma má ideia. Os bons pagadores pagariam pelos maus e se estaria estimulando o endividamento das famílias e a deseducação financeira.
Seria mais uma situação em que os esforços do Banco CENTRAL seriam prejudicados por políticas imaginadas pelo Ministério da Fazenda.
Diagnóstico errado, remédios ruins, piora da doença do crescimento.
Assim caminha a atual gestão da economia. Enquanto o governo insistir em turbinar o consumo, custe o que custar, ignorando os verdadeiros problemas da economia, as perspectivas de crescimento continuarão ruins. Empresários e consumidores não são tolos e por isso as pesquisas de opinião mostram a generalização do pessimismo na sociedade brasileira no período recente.
Gustavo Loyola , doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco CENTRAL e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
Escreve mensalmente às segundas- feiras.
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Fonte: Valor Econômico