Perto de iniciar o processo de privatização da Eletrobras, o governo federal quer aproveitar a oportunidade para se desfazer também de suas “golden shares” – ações de classe especial que são retidas pela União e que lhe garantem, entre outras coisas, poder de veto para algumas decisões importantes nas empresas vendidas à iniciativa privada.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, encaminhou ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma consulta para saber como se livrar das “golden shares” que o governo mantém no momento em empresas como Vale, Embraer e Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Meirelles também quer que a venda da Eletrobras, prevista para o primeiro semestre de 2018, ocorra sem as ações de classe especial, ao contrário do que vinha sendo dito.
O ministro entende que a “golden share” é mal vista pelo mercado e que tem um efeito negativo sobre o valor dos ativos. Por isso, quer saber do TCU qual o melhor caminho para o governo se desfazer das ações sem que haja prejuízo aos interesses da União.
O pedido foi recebido com cautela no TCU, sobretudo por conta das cifras supostamente envolvidas. O entendimento, preliminar, é de que as participações especiais do governo valeriam bilhões de reais e que não poderiam simplesmente sumir. A solução mais visível no momento é uma mudança na legislação que permita a extinção das “golden shares” hoje existentes mediante compensação financeira dos demais acionistas das empresas. Não se sabe, entretanto, se esses acionistas estariam dispostos a pagar e nem o valor de mercado das ações especiais.
O advogado Mauro Penteado, sócio do escritório Machado Meyer, entende que o mercado precifica essas empresas considerando o poder de veto do governo para algumas questões essenciais. Ele admite, no entanto, que não há clareza sobre como o valor de mercado das “golden shares” poderia ser calculado.
“Não acho que a ‘golden share’ ainda seja necessária nos dias atuais. Ela foi criada em um período em que praticamente não existia regulação. Hoje, o controle do ativo privatizado por ser facilmente feito pelo edital e pelo contrato”, afirmou o advogado.
Na Vale e no IRB, a União tem poder de veto para alterações no controle acionário e na atividade fim da empresa. No caso da mineradora – privatizada em 1997 -, o fechamento de novos negócios, eventual troca de nome e até uma mudança da sede para exterior exigem aprovação do governo. A União tem algumas ações dessa classe e participa do atual bloco de controle via BNDESPar, braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
No IRB, fusões, cisões e incorporações, bem como definição de políticas de resseguros podem ser vetadas pela União.
As regras das “golden shares” na Embraer, sediada em São José dos Campos (SP), são mais atreladas a questões de segurança nacional. Um acionista com mais de 35% de participação, por exemplo, tem de pedir autorização ao governo para comprar mais ações da empresa.
A fabricante de jatos comerciais, executivos e aeronaves de defesa foi privatizada em 1994 e a União detêm 0,03% do capital. A venda da empresa inaugurou, na época, esse tipo de reserva do governo federal nas companhias privatizadas. Essas ações são dotadas dos mesmos direitos de voto dos detentores de papéis ordinários.
Enviada com pedido de urgência em 19 de julho, a consulta de Meirelles só começou a ser apreciada pelo TCU na semana passada. Não há prazo para a área técnica emitir um parecer, que será avaliado pelo ministro José Múcio. A tendência, no entanto, é que o tribunal indique um caminho para o governo se desfazer das ações especiais. O Ministério da Fazenda não se manifestou.
Fonte: VALOR ECONÔMICO