FÁBIO FAIAD BOTTINI
30.maio.2022
Recordes em receita alcançados pelo governo são impulsionados por congelamentos no funcionalismo
Ninguém gosta de greve no serviço público. Nem o empregador –que é o Estado, no caso–, nem o funcionário, tampouco a sociedade. Sua deflagração só ocorre quando todos os instrumentos de negociação se esgotam e quando o contexto a torna inescapável. É esse o enredo da paralisação dos funcionários do BC (Banco Central), movimento iniciado em 1º de abril.
A categoria está há 3 anos sem qualquer tipo de reajuste ante um cenário galopante da inflação. O Corrosômetro, ferramenta do Sindicato dos Funcionários do Banco Central, que calcula a defasagem salarial da categoria, aponta uma perda de mais de 27% no poder de compra do servidor, 19% apenas no governo de Jair Bolsonaro.
Outro motivo que levou a categoria para a greve foram as inúmeras tentativas frustradas de negociação com o governo. Os servidores do BC foram ignorados e as poucas reuniões com representantes do órgão e do Ministério da Economia e da Casa Civil não passaram de encenação.
Importante destacar que a recomposição aventada não representaria grande impacto no Orçamento da União, já que o quadro do BC é reduzido e altamente produtivo. O servidor do BC está fazendo muito mais com um quadro mais reduzido, graças à alta produtividade de seu corpo funcional aliada à automação, à otimização dos processos de trabalho e à entrega individual de cada analista e técnico. Para se ter uma ideia do enxugamento de pessoal, houve um decréscimo, em 12 anos, de mais de 1.000 servidores. Isso, apesar de terem aumentado no mesmo período a complexidade do trabalho, a pressão sobre o servidor e a responsabilidade.
Nos últimos 3 anos, mesmo com a ocorrência da pandemia da covid-19 e o consequente trabalho remoto, o corpo funcional do BC entregou para a sociedade serviços de elevada importância, como o Pix, o SVR (Sistema de Valores a Receber) e o Open Banking. E isso não é reconhecido pelo governo.
Outro aspecto que pouco se discute é que, às custas do congelamento salarial do funcionalismo e da não reposição dos quadros de recursos humanos, o governo vem obtendo recordes em receitas líquidas. Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, o volume de recursos com o engessamento de salários do servidor foi maior do que se pretendia com a reforma administrativa, algo em torno de R$ 130 bilhões, em valores de novembro de 2021.
Porém, a “economia”, que vem sendo obtida com essa “reforma silenciosa”, não parece ter como fim a melhoria do serviço público. A primazia de seu objetivo é obter superavits primários para arcar com os custos da dívida interna, nas mãos dos “institucionais financeiros”.
Extraoficialmente, essa sobra de caixa é um pote de ouro para interesses que não têm nada a ver com a coisa pública. Quanto mais sobram recursos –que deveriam ser canalizados para motivar e premiar o funcionalismo por sua excepcional dedicação em prol da sociedade e para investir no aprimoramento da prestação de serviço para o cidadão que mais precisa do Estado–, mais dinheiro encontra-se disponível para orçamentos secretos, desvio de emendas, vantagens fiscais para grandes pagadores de impostos e –sem ser hipócrita, considerando a realidade e o histórico da política brasileira–, para a corrupção.
Em outras palavras, os benefícios de interesse particular, sejam de autoridades públicas, sejam de empresários, estão sendo custeados pelo servidor público, demonizado como “marajás” e rotulado de “inimigo”.
A gota d’água para desencadear a greve –movimento histórico pelo alto engajamento e por causa de sua extensão e duração–, foi a discricionariedade do governo de conceder aumento só para os agentes de segurança pública federal, a despeito de o pleito ser igualmente justo. Sem qualquer base técnica e ancorado em critérios eleitoreiros, o governo arbitrariamente promoveu os operadores de segurança a servidores de uma categoria diferenciada, superior aos demais, desprestigiando os demais funcionários públicos, rebaixados a uma classe inferior.
Só que a paralisação veio mostrar que o servidor do BC é fundamental para o bom funcionamento da economia e por consequência para a sociedade. A greve tem afetado a publicação de diversos indicadores e relatórios macroeconômicos da autarquia, importantes para os agentes econômicos, como Boletim Focus, IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) —nível de atividade econômica— e notas de estatísticas econômico-financeiras. Sem isso, o mercado fica à deriva e corre o risco de se jogar contra as rochas. Ou seja, é cristalino que o trabalho desenvolvido pelos servidores do BC é a bússola para que a economia continue no seu rumo seguro.
Para o bem dos agentes econômicos, dado que as demandas são crescentes e sofisticadas, faz-se necessário, e com urgência, a reestruturação das carreiras, por meio de uma contínua qualificação dos quadros e desenvolvimento na área de inteligência informatizada e realização de novos concursos públicos sob o risco de a autarquia perder cérebros para o mercado ou mesmo para outros órgãos públicos. Com a categoria melhor estruturada, quem ganha é a sociedade. É, portanto, legítimo o pleito dos servidores do Banco Central.
Fonte: Poder 360