Há sinais de bolhas, ainda que menores, por toda parte

    Por Steven C. Johnson | Da Reuters

    Cinco anos de intensa impressão de papel-moeda pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e políticas de afrouxamento monetário adotadas por outros bancos centrais deixaram trilhões de dólares circulando pelo sistema financeiro global. Parte desse dinheiro foi parar em lugares bem estranhos. Essa efervescência pode ser vista tanto no mercado de ações do Paquistão quanto em áreas como a de corridas de cavalos, pinturas raras e pedras preciosas, passando ainda pela venda de licenças de táxi.

    “Quando a coisa chega a este ponto, envolvendo qualquer ativo – uma pintura, uma garrafa de vinho -, quase sempre é sinal de que há muito dinheiro em circulação”, diz Howard Simons, estrategista da Bianco Research. Os riscos, contudo, não parecem tão grandes quanto no período de 2005 a 2007, quando os preços dos imóveis nos EUA e em outros países dispararam, para depois entrarem em colapso, desencadeando a crise financeira. Hoje, os preços mais inflados estão em bolsões menores dos mercados e, portanto, o risco sistêmico é menor.

    Mas se uma série de bolhas menores no mercado financeiro murcharem ou mesmo estourarem, ainda haverá muita agonia, segundo alertam estrategistas de investimentos. Quando o Fed deixar de estimular a economia – o que deverá acontecer no primeiro semestre de 2014 -, os mercados poderão ter de suportar alguns choques, diz Win Thin, um estrategista da Brown Brothers Harriman. “Isso poderá levar a alguns ajustes dolorosos.”

    Uma parte tóxica dos mercados poderá contaminar ativos mais fortes à medida que os investidores começarem a levantar dinheiro para cobrir perdas. “Aprendi com os dois últimos ciclos de baixa dos mercados que não importa se você tem ativos podres”, diz Simons. “Se alguém mais tem, entrar em pânico e começar a vender, isso vai arrastar os ativos bons também.”

    E uma nova onda de vendas no mercado de bônus, após a reviravolta do terceiro trimestre, poderá não só prejudicar os investidores como também ameaçar uma desaceleração – conforme as taxas das hipotecas e os custos de outros empréstimos forem subindo.

    Há evidências de excessos em muitas áreas. Tomar um táxi hoje pode não envolver mais dicas do motorista sobre ações imperdíveis, mas o dono da frota provavelmente pagou um preço alto pela licença. Em um leilão realizado em Nova York na semana passada, licenças foram vendidas por mais de US$ 1 milhão, o dobro dos preços pagos há cinco anos. Quanto às ações americanas, é difícil encontrar muitos investidores apostando em um “bear market” (mercado de baixa) apesar – ou por causa – da alta de 26% acumulada pelo índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500) este ano e da valorização de 166% no período desde 2009.

    Na Europa, a sensação é de que a crise da dívida do continente nunca existiu. As relações de preço sobre lucro (P/L) dispararam para os níveis de 2007 mesmo com os lucros perdendo ímpeto. No último mês, as vendas a descoberto (apostando na queda dos ativos) caíram ao menor nível em sete anos e as ações de melhor desempenho do índice STOXX Europe 600 são as que anteriormente tinham sido alvo de grandes posições vendidas.

    À frente da gestão de um fundo hedge, David Einhorn escreveu em carta a investidores em outubro: “Quando ações alvo de grandes posições vendidas passam a ser uma estratégia viável de seleção de ações e os métodos convencionais de avaliação não se aplicam mais a muitos papéis, não dá para não ter uma sensação de déjà vu”, disse ele, referindo-se à bolha e posterior estouro das ações de empresas pontocom em 1998-2001.

    Essa bolha em particular transformou investidores, especialmente os pequenos, em viciados por novas ofertas de ações. E as coisas estão ficando parecidas novamente. Até agora, 199 empresas americanas abriram capital este ano, maior número desde 2007, e em alguns casos os ganhos obtidos no primeiro dia de negociação dos papéis foram enormes. Tal corrida para a listagem de ações é um sinal de que as coisas estão chegando ao ápice, diz Peter Atwater, presidente da Financial Insyghts.

    O mercado americano como um todo não parece estar particularmente caro – o múltiplo P/L projetado para o S&P, de cerca de 15 vezes, equipara-se à média de longo prazo -, mas, individualmente, as ações certamente estão. Basta olhar para alguns dos maiores nomes que recorreram ao mercado nos últimos anos, como o Twitter ou a fabricante de automóveis elétricos Tesla Motors. Hoje, após quase dobrar de valor no primeiro dia de negociação de suas ações, o Twitter está avaliado em quase US$ 24 bilhões, apesar de não ter lucro. A Tesla está sendo negociada a um P/L de 80, com base nos lucros esperados para 2014.

    Até mesmo atletas profissionais estão se movimentando. Arian Foster, jogador da National Football League (NFL), virou ativo de um IPO que estava sendo planejado com base em 20% de seus ganhos futuros que ele vendeu para a Fantex, de São Francisco. A firma deveria vender as ações com base no desempenho econômico de Foster. “Achei que fosse uma piada”, diz Daniel Morgan, da Synovus Trust Co. “Eles não são robôs, cansam. Qual é o tempo de vida médio de um sujeito na NFL? Quatro anos?” O IPO acabou sendo adiado depois que Foster sofreu uma contusão, o que mostra o risco do investimento.

    Ao estancar os juros, os bancos centrais se depararam com investidores famintos por rendimento se atropelando para emprestar dinheiro às empresas com históricos de crédito nada bons, e também de olho em alguns desses investimentos exóticos. Muitos investidores, temendo que os juros baixos demais comecem a subir no ano que vem, estão comprando empréstimos a taxas flutuantes. O único problema: muitos não têm contratos, o que geralmente limita a quantidade de dívida que um tomador pode pegar e dá aos credores poder de decisão nas empresas se as coisas começarem a azedar.

    “As pessoas não percebem que estão assumindo um risco de crédito muito grande”, diz Gershon Distenfeld, da AllianceBernstein. Enquanto isso, emissores de bônus de alto rendimento – companhias com balanços fracos e sem grau de investimento – estão pagando, em média 5,8%, para captar recursos, patamar próximo do recorde de baixa. As taxas de “default”, em torno de 2,5%, estão bem abaixo das médias históricas, mas Martin Fridson, da FridsonVision, acredita que elas subirão para 8,4% entre 2016 e 2020.

    Talvez uma das melhores maneiras de medir uma bolha é observar o que os milionários fazem com seus trocados. Ultimamente, eles parecem ter desenvolvido um gosto insaciável por obras de artes – uma pintura de Francis Bacon estabeleceu um novo divisor de águas ao ser vendida por mais de US$ 142 milhões em Nova York. Em Genebra, o “Pink Star”, diamante cor-de-rosa impecável do tamanho de uma ameixa, foi vendido por US$ 83 milhões, recorde para uma joia.

    Até mesmo o mercado de cavalos de corrida está a toda. Na Europa, um cavalo de um ano de idade que nunca correu foi vendido este ano por 5 milhões de libras (US$ 8,1 milhões), preço recorde. “A maioria das pessoas envolvidas nesses negócios é extremamente rica e está com dinheiro para gastar”, diz Alastair Donald, especialista em cavalos da agência de equitação SackvilleDonald, do Reino Unido. “Há meios de ganhar dinheiro com as corridas de cavalos, mas no geral trata-se de um luxo.”

    A postura de ‘cassino’ não está restrita apenas aos mercados desenvolvidos. Na cabeça de ninguém o Paquistão é destino seguro e previsibilidade de investimentos, mas se alguém levar em conta o mercado de ações do país, não diria isso. As ações paquistanesas quase dobraram de valor desde o início de 2012. É mais um exemplo da busca por rendimento que está fazendo as pessoas se esquecerem dos riscos políticos, diz Boris Schlossberg, da GTF Forex.

    A provável retirada dos estímulos pelo Fed é a questão mais importante de 2014. E o risco é de que até mesmo investidores que identificaram bolhas possam ter esperado muito para sair das posições.

     

    Fonte: Valor Econômico

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