O Banco Central (BC) corre o risco de, neste ano, entregar uma inflação abaixo do piso da meta de 3%. Em 2006, a inflação também se dirigia ao piso, de 2,50% naquele momento, mas foi só um susto. O índice fechou o ano em 3,14%, resultado que livrou o então presidente do BC, Henrique Meirelles, hoje ministro, de escrever uma “carta aberta” à Fazenda explicando as razões do descumprimento da meta. Em pesquisa realizada pelo Valor com 37 instituições sobre o rumo da Selic, 35 projetaram inflação para 2017. Duas delas – BofA e Garde – veem variação de 2,9%, e quatro esperam 3%. Os demais analistas estimam, no máximo, 3,75%.
Essas projeções refletem ao menos três fatores: demora da resposta da atividade econômica, após redução da Selic em 4 pontos, surpresa positiva com os preços dos alimentos e valorização cambial. Mas, diferentemente do que se viu em outros momentos do ciclo iniciado em outubro de 2016, não há pressão para que o BC acelere o passo. Mesmo analistas que, em outros momentos, defenderam cortes mais acentuados, dada a retração econômica e o potencial efeito sobre o consumo e os preços, consideram o atual ritmo de queda adequado. O piso histórico da Selic, de 7,25%, poderá ser testado.
O ex-diretor do BC e sócio da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo, acredita que o atraso na agenda de reformas, que tem como consequência a desaceleração do ritmo de recuperação da economia, cria um ambiente propício para um corte da Selic “para 8% ou abaixo disso”. Para ele, a queda deve ocorrer num ritmo entre 0,75 ponto e 1 ponto percentual, o que pode ser considerado “acelerado” dado o nível do juro. Ele lembra que, quando o BC iniciou a flexibilização monetária, a Selic estava em 14,25%. Isso significa que mais da metade do ciclo de alívio monetário deve já ter sido realizado.
Figueiredo foi um dos economistas que defenderam, há alguns meses, que o alívio monetário ocorresse de forma mais rápida em função da atividade enfraquecida, com efeitos diretos sobre a inflação. De fato, a recuperação da economia vem ocorrendo de forma lenta e perdeu ainda mais tração desde a delação da JBS, enquanto a inflação corrente surpreendeu para baixo, jogando as expectativas para o IPCA abaixo da meta de inflação, de 4,5% neste e no próximo ano. A projeção da Mauá é que a inflação termine 2017 em 3,40% e suba 4,2% em 2018.
De todo modo, Figueiredo diz que não há razão para dizer que o BC esteja “atrasado” no processo de alívio monetário ou esteja mostrando excessivo conservadorismo neste momento. “O ambiente geral é favorável ao corte de Juros, mas existem riscos internos, que cresceram recentemente, que justificam esse cuidado”, afirma.
Em sua visão, a nova crise política deflagrada pela delação do JBS não mudou, mas retardou as reformas. “A agenda empobreceu muito e o governo perdeu capacidade de implementá-la.” Esse fenômeno não interrompeu a recuperação, que segue lenta. “Por isso considero adequado o ritmo que está sendo discutido, de corte entre 0,75 e 1,0 ponto percentual. O BC pode ter agido de forma mais ou menos lenta lá atrás, mas o fato agora é que a ópera está ficando boa.”
Já o sócio da 4E Consultoria Juan Jensen acredita que o quadro econômico atual permitiria um corte mais forte do que o BC fará, perto de 1,5 ponto, já na reunião da próxima semana. Isso por causa da constatação de que a atual crise política tem um efeito “de neutro para desinflacionário”.
De um lado, o abalo da confiança, provocado por essa nova onda de instabilidade política, deve fazer com que a atividade se recupere mais gradualmente do que se esperava, o que já começa a ser captado pelos indicadores de que o hiato do produto – medido tanto pelo mercado de trabalho quanto pela capacidade instalada – ficou mais negativo e deve seguir assim por mais tempo. De outro lado, o risco de que o Câmbio se depreciaria em função da crise política não se concretizou. “É um quadro levemente desinflacionário, que deve levar o IPCA para 3,6% este ano e para 3,8% no próximo ano”, diz. Esse quadro justificou a revisão da 4E para a Selic de 8,25% para 7,5%.
Mas, dada a comunicação recente do BC, não seria adequado acelerar o ritmo, nem agora nem nas próximas reuniões. Em vez de cortar com mais força agora, diz o economista, o BC deve prolongar o ciclo, até levar a taxa a 7,5% – nível que deve ser mantido ao longo de 2018. Ele acredita que após a redução de 1,0 ponto em julho, o BC diminui o ritmo a 0,75 ponto em setembro e faz mais dois cortes de 0,5 ponto.
Jensen também defendia queda maior do juro. Assim, para ele, o BC errou ao explicitar, na reunião do Copom de maio, que poderia reduzir o ritmo de corte para 0,75 ponto dadas as incertezas quanto às consequências da crise política sobre a atividade. E, agora, fica impossibilitado de acelerar o passo, porque “já se amarrou”.
Embora acredite que esse quadro pudesse justificar um corte mais acelerado do juro, Jensen diz que não se pode responsabilizar a política monetária por limitar a reação da economia. “O que restringe a atividade é incerteza, baixa confiança e o ambiente político”, afirma. É isso que explica, por exemplo, o fato de o spread bancário não ter caído com o alívio monetário já realizado. “O corte de Juros não é o que vai tirar o Brasil da crise”, diz.
Para o economista-chefe da Bahia Asset, Tomas Brisola, que defendia em abril a aceleração do corte da Selic para 1,5 ponto, o BC foi mais conservador na gestão da política monetária. “Mas foram decisões tomadas sob incerteza”, afirma. “Olhando para frente, o adequado é manter a flexibilidade e seguir nesse passo de um ponto. Estamos num processo de descobrir qual é o ponto de equilíbrio da taxa de Juros.”