Isenção do IR por moléstia grave: os sucessores do contribuinte possuem legitimidade ativa para ajuizar demanda?

    Com a regra isentiva não há incidência do tributo, e não havendo tal incidência não há que se cogitar o nascimento da obrigação tributária e, consequentemente, do crédito adimplido pelo de cujus à época.

    O pedido de isenção do Imposto de Renda regula-se pela lei 7.713/1988, com redação dada pela lei 11.052/04.  Conforme artigo 6º, XIV da referida lei, são dois os requisitos para o deferimento da isenção prevista no artigo mencionado: a) receber proventos de aposentadoria ou reforma; b) estar acometido de uma das doenças listadas no inciso transcrito, devidamente comprovado. A Instrução Normativa SRF 1.500/14, também regula sobre a isenção do referido imposto, em seu artigo 6º, inciso II1. Isto é, sendo o contribuinte portador de moléstia grave prevista no rol dos referidos artigos, a isenção é legal e de direito, nos termos do caput do artigo 176, CTN2.

    No tocante a isenção, trata-se da inserção de uma norma de estrutura no ordenamento jurídico que tem por objetivo suspender os efeitos de algum dos aspectos da regra-matriz de incidência tributária. Conforme ensina Pedro Guilherme Accorsi Lunardelli3:

    O sujeito passivo não mais estará compondo a relação jurídica tributária, na qualidade de devedor, mas sim, aparecerá na relação jurídica isencional, na qualidade de credor, com o direito subjetivo de estar permitido a não cumprir a prestação (está permitido a omitir a conduta).

    Sendo o fato isento, sobre ele não se opera a incidência do tributo e, portanto, não há que se falar em fato jurídico tributário, nem tampouco em obrigação tributária.

    Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial4, são isentos do Imposto de Renda os proventos de aposentadoria dos portadores de moléstias consideradas incapacitantes (rol taxativo).

    É importante salientar que uma das finalidades sociais da norma que previu a isenção do imposto de renda, é a de possibilitar ao enfermo o custeio das despesas com o tratamento da patologia, aquisição de remédios, consultas médicas, exames, dentre outras situações que demandam recursos financeiros muito maiores do que de alguém na mesma faixa etária em condições de saúde diferenciadas.

    Obtendo a isenção do pagamento do imposto de renda, portanto, o contribuinte recebe a oportunidade de poder realizar um tratamento adequado para a sua doença.

    O entendimento no que diz respeito ao reconhecimento da isenção do imposto de renda incidente sobre os proventos de aposentadoria percebidos por portadores de moléstias-graves, já está pacificado, tendo tal assunto sido discutido à exaustão, sem a possibilidade de, ainda hoje, se questionar tal posicionamento.

    Feita esta introdução, cumpre enfrentar o tema do presente artigo, da possibilidade de declaração do direito de isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria dos portadores de moléstias consideradas incapacitantes e a repetição do indébito tributário, por meio de ação ajuizada pelos sucessores do contribuinte falecido.

    Inúmeros contribuintes portadores de moléstias graves desconhecem o direito à isenção do referido imposto, e acabam falecendo sem a oportunidade de buscar a concessão na via administrativa ou judicial. Nesse casos os contribuintes vão a óbito tendo seu direito prejudicado, com o comprometimento do patrimônio, tendo sido ele reduzido em razão de despesas com o tratamento, o que não precisaria ter ocorrido se tivesse o falecido, em vida, usufruído do seu direito à isenção do imposto de renda.

    Conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, os valores relativos a restituições de imposto de renda não recebidos pelo contribuinte em vida podem ser levantados por dependentes ou mutatis mutandis pelos sucessores.

    Para o relator Herman Benjamin, no voto proferido no REsp 1.660.3015:

    […] valores relativos a restituições de imposto de renda não recebidos pelo falecido em vida podem ser levantados por dependentes ou mutatis mutandis pelos sucessores. Por via de consequência os herdeiros do de cujus são legítimos para pleitear judicialmente a respectiva restituição.

    O Superior Tribunal de Justiça também sedimentou o entendimento acerca da desnecessidade de laudo médico oficial e da comprovação da contemporaneidade da moléstia, bastando os laudos médicos trazidos pelo espólio ou herdeiros do contribuinte, consoante se verifica nas Súmulas 598 e 627, respectivamente:

    Súmula 598. É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.

    Súmula 627. O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.

    Cumpre salientar que, ainda que o artigo 30 da lei 9.250/95 determine que para o recebimento do benefício é necessária a emissão de laudo pericial por meio de serviço médico oficial, a norma do artigo mencionado não vincula o Juiz, que, com fulcro no artigo 371 Código de Processo Civil6, é livre na apreciação das provas acostadas aos autos pelas partes litigantes.

    Isto é, já está pacificado o entendimento no que diz respeito ao reconhecimento da isenção do imposto de renda incidente sobre os proventos de aposentadoria percebidos por portadores de moléstias-graves nos termos art. 6º, inciso XIV, da lei 7.713/88, através de laudo médico particular, sendo desnecessária a apresentação de laudo médico oficial.

    A partir do exposto, e consoante posição do Superior do Tribunal de Justiça, os herdeiros de contribuinte falecido possuem, portanto, a legitimidade para integrarem o polo ativo das demandas judiciais, no intuito de buscarem a declaração de isenção de imposto de renda sobre os proveitos de aposentadoria, bem como repetirem o indébito dos últimos cinco anos.

    Os Tribunais Estaduais já têm replicado o entendimento, julgando procedentes as ações judiciais movidas pelos herdeiros, para declarar o direito à isenção do imposto de renda sobre os proventos da aposentadoria do de cujus, bem como a condenação do ente federado à restituição dos valores indevidamente retidos, na forma simples, até a data do falecimento.

    Por fim, com a regra isentiva não há incidência do tributo, e não havendo tal incidência não há que se cogitar o nascimento da obrigação tributária e, consequentemente, do crédito adimplido pelo de cujus à época. Nesse sentido, possível a repetição do indébito por parte dos sucessores, por meio de apresentação do remédio jurídico cabível.

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    1 Art. 6º São isentos ou não se sujeitam ao imposto sobre a renda, os seguintes rendimentos originários pagos por previdências:

    II – proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos por pessoas físicas com moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids), e fibrose cística (mucoviscidose), comprovada mediante laudo pericial emitido por serviço médico oficial, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, devendo ser fixado o prazo de validade do laudo pericial no caso de moléstias passíveis de controle, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma, observado o disposto no §4º.

    2 Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.

    3 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções tributárias. São Paulo: Dialética, 1999. p. 76.

    4 REsp 1088379/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 29/10/2008

    5 STJ. REsp 1.660.301/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 12/09/2017.

    6 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

    Fonte: Migalhas

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