Legislativo brasileiro tem a maior fragmentação partidária do mundo

    Por Cristian Klein | De São Paulo

    A criação de duas legendas, o Pros e o Solidariedade, que já nasceram com bancadas de porte médio, em torno de 20 deputados federais, ampliou a liderança do Brasil como campeão mundial de fragmentação partidária.

    É o que mostra levantamento do Valor, com colaboração do Cebrap, que aponta como ficou a distribuição de poder na Câmara depois das trocas de legenda realizadas por 70 deputados até 5 de outubro – prazo final de filiação para a eleição do ano que vem. O cálculo leva em consideração apenas os deputados titulares.

    Depois do troca-troca, a Câmara dos Deputados tem agora 11,5 partidos efetivos, o que dá ao Legislativo brasileiro o título de mais fragmentado do mundo. Num período de 15 anos, a fragmentação – que havia caído de 8,7, em 1990, para 7,1, em 1998 – aumentou em 62%.

    Depois do Brasil, o país com a câmara baixa com poder mais disperso entre os partidos é a Bélgica, cujo número efetivo é de 8,42, de acordo com o banco de dados do Trinity College de Dublin, que reúne informações de mais de 900 eleições em quase cem países.

    O número efetivo de partidos é baseado numa fórmula criada pelos cientistas políticos Markku Laakso e Rein Taagepera, no fim dos anos 1970. O indicador é uma medida internacional utilizada para comparar a dispersão de poder nos legislativos. Ele não enumera agremiações específicas. Seu objetivo é mostrar o peso relativo dos partidos, de acordo com o tamanho das bancadas, e não o número absoluto de siglas.

    Por este critério, a quantidade de legendas na Câmara até diminuiu depois das migrações partidárias. Eram 23 e hoje são 21. Quatro nanicos – PEN, PHS, PSL e PRTB – sumiram do Congresso ao perderem seus cinco deputados. No entanto, surgiram duas, bem maiores: o Pros, que filiou 19 parlamentares, e o Solidariedade, que cooptou 22. Isso aumentou o número de partidos que efetivamente contam e têm peso no Legislativo.

    Entre as causas da alta fragmentação brasileira está o sistema proporcional de votação – no qual os partidos têm facilidade de eleger deputados em grandes circunscrições eleitorais, que variam de oito até 70 vagas, como é o caso de São Paulo – e a ausência de uma cláusula de barreira que restrinja o acesso das pequenas legendas ao Legislativo.

    É essa facilidade de conquistar um naco de poder que caracteriza os partidos no Brasil, e não sua simples existência. Há países com muito mais do que o total de 32 siglas registradas por aqui. Mas muitos sistemas impõem, por exemplo, uma cláusula de desempenho em torno de 2% a 5% do total dos votos válidos e até de 10%, como na Turquia. No Brasil, um mínimo de 5% estava previsto para vigorar a partir da legislatura de 2007, mas foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

    A interferência do Judiciário nas regras eleitorais é outra explicação para a fragmentação, especialmente nos últimos anos, afirma a cientista política Andréa Freitas, do Cebrap. A pesquisadora critica a série de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, combinadas, estimularam a criação de partidos.

    Primeiro, veio a regra da fidelidade partidária, em 2007, que proibiu a troca de legenda, exceto quando há justa causa, como a mudança para uma nova sigla. Depois, e mais importante, o TSE permitiu que o PSD, fundado em 2011, tivesse acesso aos recursos do fundo partidário e à propaganda do horário eleitoral na proporção do número de deputados federais que se filiaram à nova legenda.

    Com isso, o TSE desconsiderou a própria legislação, que estabelece como critério o desempenho na última eleição para a Câmara. Sem necessidade de passar pelo teste das urnas para ter acesso aos dois principais recursos políticos, siglas novatas tornaram-se o abrigo perfeito para parlamentares que querem trocar de partido e podem, além disso, fortalecê-las com sua cota do fundo partidário e do tempo de TV. Foi o caso do Pros e do Solidariedade, e seria o do Rede Sustentabilidade, caso o grupo da ex-ministra Marina Silva tivesse conseguido comprovar as 492 mil assinaturas de apoio à criação do partido – única barreira que inibe de fato a proliferação de legendas no país.

    “O que me surpreende é o fato de ter havido uma elevação no período entre as eleições, quando se esperaria estabilidade. Isso reflete a interferência do Judiciário. Os ministros do TSE bagunçaram [o sistema]”, afirma Andréa Freitas.

    A pesquisadora do Cebrap critica a dinâmica que a fragmentação partidária tomou recentemente – com a eclosão de legendas sem apoio eleitoral prévio e que canibalizam as outras, já estabelecidas. Mas não tem uma visão negativa sobre a profusão de siglas.

    A opinião é compartilhada pelo cientista político Carlos Pereira, professor da FGV-Rio. Para Pereira, as vantagens da fragmentação superam as desvantagens. Por um lado, afirma, ela é ruim pois a “pletora enorme de alternativas”, com diferenças mínimas de ideologia e programas, se configuram meramente em partidos que servem a estratégias de sobrevivência eleitoral e dificultam o entendimento do cenário político pelos eleitores. Por outro lado, a pulverização no Brasil tem um lado extremamente positivo, defende.

    “Pode parecer contraditório, mas a fragmentação cumpre um papel fundamental para a governabilidade no país”, diz.

    Pereira argumenta que a grande quantidade de partidos na Câmara gera um equilíbrio, num sistema em que o presidente da República é dotado pela Constituição de amplos poderes de agenda, como a capacidade de editar medidas provisórias. A fragmentação cria obstáculos a um Executivo forte. Mas não a ponto de gerar paralisia decisória. Sem maioria, o presidente precisa negociar com os partidos. O custo, cita Pereira, é a distribuição de recursos como ministérios, cargos, emendas parlamentares e a delegação de políticas executadas por legendas eventualmente sem a mesma afinidade ideológica. Mas a vantagem é que o presidente não depende exclusivamente de nenhum partido.

    “É muito free-market. Sob esse ponto de vista, o sistema brasileiro é muito mais avançado do que a da maior democracia do mundo. Hoje, sinceramente, prefiro, sem dúvida, um sistema hiperfragmentado, como é o nosso, mas com presidente forte, que tem capacidade de montar coalizões fortes ao longo do tempo, do que um sistema bipartidário americano, polarizado, em que o presidente não partilha maioria no Parlamento e fica refém do Congresso”, afirma Pereira, que foi pesquisador da Brookings Institution, dos Estados Unidos.

    A referência direta é ao impasse, neste mês, sobre o teto da dívida americana entre o presidente democrata Barack Obama e a Câmara dos Representantes, dominada pelos republicanos.

    Com a casa legislativa controlada pelos adversários, Obama foi levado a dispensar funcionários do governo e a suspender serviços públicos.

    Os Estados Unidos estão entre os países com menor fragmentação: 1,97. O número não é igual a dois pois reflete a hegemonia obtida em 2010 pelo Partido Republicano em relação ao Democrata.

    A convicção de que não há um modelo ideal leva Carlos Pereira a criticar defensores de uma reforma política, como o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, que recentemente considerou o sistema eleitoral brasileiro um engodo. “[Ele] fez declarações desastrosas, se arvorou a dizer coisas que não sabe, com uma visão de botequim. Vai colocar o quê? Estamos funcionando relativamente bem, temos estabilidade democrática, controle inflacionário, estamos diminuindo pobreza, desigualdade. Por que precisamos fazer um novo choque no jogo e criar uma instabilidade para os políticos, que já sabem o que fazer para se reeleger, para sobreviver? Por que criar um transtorno e estabelecer nova regra – o que historicamente já foi rejeitado – quando finalmente está dando certo?”, questiona Pereira.

    O pesquisador chama de “absurda” esta visão embora ela esteja presente “cotidianamente”. “É muito difícil mesmo para as pessoas entenderem. Quais são os exemplos de países de sucesso no mundo? Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, que têm dois ou três partidos. Estas pessoas veem esses países que são desenvolvidos e logo associam: pouco partido é a solução. Isso é um viés gigantesco. Não existe nenhum estudo que mostre que o número de partidos impacta no sucesso econômico. É tudo balela”, afirma.

     

    Fonte: Valor Econômico

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